BRASIL COM “Y”

PEQUIM (canso só de pensar) – De moderno, o pentatlo não tem nada, embora venha acompanhado do adjetivo desde 1912, quando a modalidade estreou nos Jogos de Estocolmo. Na Grécia Antiga, era a competição que consagrava os atletas mais completos: corrida de 200 m, lançamento de disco, arremesso de dardo, salto em distância e luta livre para arrematar.

Em 1912, o Barão Pierre de Coubertin resolveu inovar. Diz a lenda que quis homenagear os soldados franceses que sofreram o diabo na guerra com a Prússia e recriou o pentatlo baseado naquilo que eles precisavam saber para derrotar os inimigos: atirar no meio da testa deles, furá-los com uma espada, atravessar rios a nado, montar cavalos roubados e sair correndo se desse tudo errado.

Assim nasceu o pentatlo moderno, que teve como seu mais célebre competidor em Olimpíadas o general americano George Patton, quinto colocado em Estocolmo — herói doidão da Segunda Guerra, um alucinado que acreditava ter lutado em Tróia e servido ao imperador Júlio César em outras vidas.

A delegação brasileira tem uma representante no pentatlo moderno, o “Y” de nossa série olímpica. É Yane Márcia Campos da Fonseca Marques, 24 anos, pernambucana de Afogados da Ingazeira, pequena cidade de 35 mil habitantes a 375 km de Recife, no Sertão do Pajeú, terra do cangaceiro Adolfo Meia-Noite, cabra macho da peste.

Aos 11 anos, ela se mudou com a família para a capital. Pai, mãe, um irmão e duas irmãs. A mãe, funcionária pública. O pai, funcionário da Celpe, a Companhia Energética de Pernambuco. Lá, deu suas primeiras braçadas na escola de natação Nikita. Então, foi fundada uma federação de pentatlo moderno no Estado e ela foi convidada para conhecer a modalidade. Começou a praticar em 2003. Nunca tinha dado um tiro, segurado uma espada ou montado um cavalo na vida.

Aprendeu rápido a seqüência de provas que formam o pentatlo moderno: tiro esportivo com pistola de ar, 10 metros; esgrima, combates-relâmpago com espada de um minuto cada, no máximo; natação, 200 m livre; hipismo, saltos com 12 obstáculos (um duplo e um triplo) com cavalo sorteado; e corrida de 3.000 m em qualquer tipo de piso — aqui será sintético.

Tudo no mesmo dia, começando às 8h30 e terminando quase 12 horas depois. Uma maluquice, em resumo. Yane compete sexta-feira, dia 22. Chegou ontem a Pequim, depois de 17 dias treinando em Seul, na Coréia. E conversou com este blog, que adorou o sotaque da menina e sua sinceridade: “Eu ganhei medalha de ouro no Pan e as pessoas acham que vou chegar aqui e ganhar de novo. Não é assim, não. Olimpíada é outro patamar. Me perguntam se eu vou levar medalha, e eu respondo que estou indo buscar, mas não garanto que vou trazer”, diz, divertida.

Quando você começou, já tinha noção das outras provas além de natação?

Tinha, não. Comecei tudo do zero. Quer dizer, eu já nadava e correr é um negócio normal, né? O resto era tudo novidade. Mas eu me adaptei bem a todas as provas. É meio complicado para treinar, porque precisa de estande de tiro, lugar para praticar equitação, mas eu tento fazer tudo lá em Recife, mesmo.

Qual delas é a mais complicada?

Cada uma tem a sua dificuldade, mas eu acho que é o hipismo, porque no pentatlo a gente não conhece o animal, ele é sorteado na hora da prova. Mas é igual para todo mundo.

Os especialistas dizem que é preciso treinar pelo menos uns dez anos para se tornar um pentatleta de bom nível. Você começou outro dia e já tem bons resultados. Como é que conseguiu, tão rápido?

Pois é, menino, eu faço cinco anos de pentatlo em outubro… Acho que é porque algumas provas exigem muito fisicamente, e eu sou nova e bem preparada. As outras são mais técnicas, é questão de treino. Não sei, acho que foi o destino. Mas treino e dedicação também ajudam.

O ouro no Pan foi uma surpresa para você?

Sim, claro. Achei que o ouro seria quase impossível. Mas acho que acordei num daqueles dias, sabe?

Sei. Aqueles em que dá tudo certo…

Pois é, menino, deu tudo certinho. Mas aqui é diferente, as pessoas precisam entender que Olimpíada é outro patamar.

E qual seu objetivo em Pequim?

Vim aqui para dar o meu melhor. O que tinha de treinar, foi treinado. Eu quero é sair satisfeita, independentemente do resultado, porque fiz tudo que tinha de ser feito. Mas a realidade de uma Olimpíada é bem diferente de um Pan-americano. Eu fiquei me preparando na Coréia e lá, só na esgrima, podia jogar num centro de treinamento com 20 ou 30 adversários por dia. Em Recife, somos cinco. Então, não tem comparação. Na Hungria, por exemplo, o pentatlo moderno é o esporte nacional. Fora a turma do Leste Europeu.

Esporte nacional na Hungria?

É, as mães colocam as crianças desde pequenininhas para fazer pentatlo. Acho que é pra elas ficarem cansadas de noite.

Falando nisso, em que estado você termina um dia de prova?

Menino… No começo eu ficava que não conseguia nem andar direito no outro dia. Hoje é mais tranqüilo. Uma dorzinha aqui, outra ali, uma puxadinha na coxa, mas já acostumei.

A ordem das provas é meio cruel, não?

A gente começa com o tiro, quando a cabecinha ainda está normalzinha. Aí vem a esgrima, e começa a ficar na pilha. Porque são todos contra todos, e aqui são 36 competidores, então vou fazer 35 lutas. Um minuto de luta, ou um toque no outro. Se empatar, os dois perdem pontos. Aí vai para a natação, que é normal, o hipismo, que tem aquele problema do cavalo sorteado, e depois a corrida, com o que sobrou do dia. Um bagaço só.

Bom, então vamos fechar com minhas perguntas moderninhas… Cite cinco atletas que você admira.

Deixa eu ver… Gustavo Borges, Rodrigo Pessoa… Pô, cinco?

Podia ser pior, se você disputasse o decatlo…

Bom, então deixa eu pensar… Coloca aí uma francesa, a Amelie Case, que vai competir comigo. Faltam dois, né?

É. Pode ser alguém do passado.

Do passado já falei o Gustavo Borges. Não vou ficar falando de museu, né? Mas pode colocar dois do passado, sim: o Guga e o Ayrton Senna.

OK. Agora, cinco coisas que você gosta de comer.

Massas, feijão, caranguejo, camarão e tudo que é doce.

Para terminar, se você encontrasse o gênio da lâmpada e pudesse fazer cinco desejos, quais seriam?

Bom, acho que o primeiro seria ganhar uma medalha olímpica. Depois, ter uma família bem grande, eu adoro família. O terceiro… Me realizar profissionalmente. Quero continuar trabalhando com esporte. Quarto: mais humanidade por parte dos políticos, das pessoas que comandam o mundo. E por último, mais paz e fé nos corações de todo mundo.

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fabio
fabio
11 anos atrás

O gênio da lampada realizou o primeiro desejo dela, que venham os próximos !

Harry
Harry
11 anos atrás

FG é gênio… as perguntas de “5” são a prova!

Yane Marques
15 anos atrás

Gente, passo para deixar minhas palavras de agradecimento pelos votos de boa sorte. Palavras como essas deixadas nesses comentários me fortalecem e me incentivam na busca dos meus objetivos.
muito obrigada
bj grande a todos

Helder-PE
Helder-PE
15 anos atrás

Yane terminou a competição na 18ª posição. Ela vinha muito bem justamente até a quarta prova – hipismo -, em que caiu do sexto para o 15º lugar. Na última prova, a corrida, perdeu mais três posições… Mesmo não tendo conquistado uma medalha, nós, pernambucanos, temos orgulho dela.

Antonio Leite
Antonio Leite
15 anos atrás

Vai lá Yane, acorda num “daqueles” dias e busca essa medalha!!
Vc já é uma campeã!!!

João Kohl
João Kohl
15 anos atrás

Estou gostando demais desta coluna, mostrando o lado mais humano e pessoal das nossas estrelas olímpicas e da qual passamos a adimirar mais ainda. Pelo esforço do dia a dia que não vemos e portanto nem sentimos o quanto é difícil e também pela simplicidade desta apaixonante menina Yane. Valeu.

Pereira
Pereira
15 anos atrás

Quanto ao Gen George S Patton, foi o maior general da segunda guerra, principalmente por ter nojo de políticos e não ter papas na língua (falava o que sentia). E, quanto a minha conterrânea (nordestina), essa sim, é a verdadeira essência do povo brasileiro( sem o Brasilililil…). Abraços.

Nelson
Nelson
15 anos atrás

Yane, fiquei emocionado com sua determinação!!!!

Que exemplo o Brasil encontra em você, querida…
Agora, lutar por um Ouro…. SEU, pode ser mais um exemplo para estimular o Brasil inteiro a perceber um valor difícil de encontrar novamente… que está demonstrado por você !
Conte com meu pensamento, uma força a mais !
Nelson !

Guto
Guto
15 anos atrás

Para não parecer repetitivo demais, confirmo tudo o que disseram nesses comentários. Se der, Gomes, leva pra ela como forma de incentivo, porque ela realmente já é uma campeã! Meus parabéns Yane. Pela dedicação, pela humildade, pela simpatia, pela sinceridade… Vou torcer por você, e tenho orgulho que existam pessoas como você ainda no mundo…
Mas não se engane, se você ganhar uma medalha, ela é sua, não do Brasil.

Abraço Gomes. Parabéns pelo blog e principalmente pelo “Brasil com…”

Marcelo Migliorini
Marcelo Migliorini
15 anos atrás

simples e humilde a moça (ao contrario do diego hypolito), tomara que se saia satisfeita na olimpiada,

sissi da silva
sissi da silva
15 anos atrás

Adorei a Yane com “Y”! Ela é muito simpática e muito carismática. Que leve muita sorte na sua competição e ah parabéns por já ter conseguido ir tão longe. Cuidado com seu equipamento – coloque no seguro- porque em Pequim tudo é possível, inclusive perder equipamento dos atletas! Felicidades YANE!

Indignada
Indignada
15 anos atrás

Achei uma falta de respeito com o que fizeram com a Fabiana, e uma imensa falta de respeito com o Nosso pais , ta certo que o Brasil tem seus erros, mas me adimira muito um pais de 1º mundo chegar a esse ponto e agir como se nada tivesse acontecido, se fosse com alguma atleta deles em outro pais aposto que iriam fazer de tudo para que adiassem a prova.. mentira tem perna curta e a cada dia que passa, a gente descobre o quanto a China é uma vergonha, do que adianta querer ser uma potencia no esporte, mas construido com mentiras…

Eligleidson
Eligleidson
15 anos atrás

Essa minha conterrânea é arretada mesmo, trabalhei com a Tia dela e tive o prazer de conhecê-la pessoalmente, Ela é assim mesmo como aparenta na entrevista e é motivo de orgulho para nós Pernambucanos e Brasileiros, se vc´s pudessem ver a cidade de onde ela veio e como é dificil treinar nas condições que ela treina e estar onde está, Ela já é uma CAMPEÃ. Sucesso Yane e Como escreveu e cantou Chico Science; “…Rios e Pontes no coração, Pernambuco em baixo dos pés e a mente na imensidão.” Vamos à Medalha, Na RAÇA.

Patricia
Patricia
15 anos atrás

E ainda perguntam pq levar tanta gente só pra competir. Esses atletas também inspiram muita gente. Não precisa ganhar medalha. Ou vcs acham que essa moça não inspira aqueles que a conhecem, ou aqueles que leram esse blog?
A maioria que vai pra Olimpiada só compete. Não é só brasileiro que tem esse “privilégio”. Nosso privilegio é contar com os politicos e dirigentes que temos.

Genivaldo
Genivaldo
15 anos atrás

Flávio…
Estou curioso para ver seu comentário sobre esse tal “sumiço da vara”.
Abraço.

Carlos A. Torres
Carlos A. Torres
15 anos atrás

Se o Patton estivesse no comandando as tropas aliadas da Normandia na II GM, os aliados é que teriam liberado Berlim, mas teve que ficar em uma frente menos importante, mesmo assim tirou os americanos de varios “apertos” causados pelos alemães.
Ele e Zhukov foram os maiors generais da II GM.

Eric
Eric
15 anos atrás

Vixe…quando minha mulher acorda naqueles dias…..ave maria….eu saio até de perto!!!!!!

hahahhahaaha

Tiago S.
Tiago S.
15 anos atrás

Haha puxa vida, essa sessão é fantástica, é a primeira coisa que faço no dia quando chego no trabalho é entrar na minha sala e ler o blog e o grande prêmio, antes de lidar com qualquer coisa menos importantes que essa, e começar a segunda-feira com uma entrevista dessa é melhor ainda. É impressionante a dedicação do pessoal nessas modalidades que não são tão populares, e ai se ganha medalha é aquele oba-oba e depois de uma semana volta tudo pro esquecimento. O que salva um pouco é a Espn mesmo.
Alias falando em ESPN tava vendo nessa madrugada o volei, estava jogando Brasil, e na espn internacional Russia e Polonia, coloquei la um pouco e vi no fundo o letreiro só vi passando o “WAVE” em movimento de onda mesmo, como você havia comentado, e a torcida prontamente tratou de fazer a ola haha engraçado até.

Abraço

Carmem
Carmem
15 anos atrás

Fiquei lendo, tentando imaginar o sotaque da Yane. Uma menina maravilhosa, com uma história fantástica. Merece o melhor!
Abraços!!!

regi nat rock
regi nat rock
15 anos atrás

Não conhecia a garota. mulherzinha arretada essa aí e sem papas na lingua. Muito boa sorte a ela e que acorde num ‘daqueles’ dias.

vivi
vivi
15 anos atrás

que simplicidade né? eu estou gostando demais dessa seção viu?
quando vi o renzo, e outros que você nos apresentou aqui, competindo, foi muito legal

parabéns gomes
beijos
vivi
ps: ainda revoltada com o que fizeram com a fabiana! golpe baixo

Carlos Eduardo
Carlos Eduardo
15 anos atrás

só pra constar, Nikita, dono da escola de Natação onde Yane deu suas primeiras braçadas, foi nadador, primeiro pernambucano a participar de uma olimpíada e atualmente é técnico da Joana Maranhão.

leohora
leohora
15 anos atrás

Menino…. esse negocio de pentatlo deve dar uma canseira disgramada…..