AQUI NÃO PODE (13)
ATENÇÃO: a FIA decidiu que a definição do grid amanhã acontecerá às 7h30, e o GP de São Paulo terá a largada em novo horário, 12h30. Para fugir da chuva.
SÃO PAULO (também, Finados…) – Às 16h45 o dia foi encerrado hoje em Interlagos. Por volta das 14h começou a chover na zona sul da capital paulista. “Chove na zona sul da capital paulista”, deve ter dito uma das mocinhas da rádio. Estávamos todos justamente na zona sul da capital paulista quando a água apertou, mas apertou num grau que a única reação foi dizer: “Fodeu”.
Sei que o termo é chulo, e não deveria ser usado numa suposta cobertura literária para leitores diferenciados.
Foda-se.
Sei que muita gente hoje vai sair daqui falando que “antigamente não tinham essas frescuras” (sim, dirão “tinham” e não “tinha”, que seria a forma correta), que “antigamente tinham corridas com mais chuva que isso” e que “antigamente tinham pilotos mais corajosos”.
Não se trata disso, porém. Antigamente, posso responder, eles não tinham preocupação com segurança como hoje. E nesse caso é “tinham”, mesmo.
A F-1 atual tem carros cuja configuração é incompatível com pistas muito molhadas. Não há muito o que fazer. Operam no modo aerodinâmico efeito-solo, andam muito perto do chão, tendem a aquaplanar e os pneus de chuva pesada levantam tanta água que se torna impossível andar atrás de qualquer um. A visibilidade não é pequena, nesses casos; é nula. E não dá para pilotar carros que passam dos 300 km/h sem enxergar o que está na sua frente.
Ninguém tem de se matar numa corrida de automóveis. Lamento pelos que acham que “antigamente tinham corridas melhores”. Nem acho que tinha tantas corridas melhores assim, gosto das corridas atuais, são boas, têm sido interessantes (aulas particulares sobre o uso de “ter” e “haver” podem ser agendadas por e-mail), mas não adianta querer dar uma de herói. Não dá, não dá.
E não dava para andar hoje, tamanho o volume de água que encharcou a zona sul da capital paulista. Além disso, a classificação estava marcada para as 15h, meio da tarde. Não temos mais horário de verão neste país, cortesia daquele saco de estrume que, votado por muitos que cá se encontravam, tornou-se presidente um dia. Assim, o início da sessão foi sendo postergado várias vezes até que se estimou que poderia acontecer a partir das 17h. Mas 15 minutos antes desse limite alguém de bom senso percebeu que seria impossível, estava anoitecendo, continuava chovendo, ainda tinha muita água na pista, carro de F-1 não tem farol, deixa pra lá e mandem essa turba embora para casa.
É frustrante, claro, para quem pagou horrores e conseguiu ver só uma corridinha de meia hora pela manhã, a Sprint vencida por Lando Norris. Isso para quem chegou a tempo às arquibancadas, já que muita gente ficou do lado de fora tamanha a falta de organização nos portões de entrada do autódromo.
Mas disso já falamos.
Em tese, dá para fazer a classificação pela manhã, amanhã. E é o que a FIA diz que vai fazer. Isso já aconteceu antes. Lembro de uma vez no Japão, esqueci o ano, em que havia previsão da passagem de um tufão no sábado, véspera da prova de Suzuka. Na sexta, mesmo, cancelaram todas as atividades para o dia seguinte. Tufão passa e vai embora. Fecharam o autódromo e mandaram todos voltarem no domingo.
Eu nunca tinha visto um tufão na vida, e sei que serei criticado pelo que direi. Mas fiquei torcendo pelo tufão. Por que você não está chamando de furacão?, deve estar se perguntando o leitor mais atento. Aqui faça-se uma distinção linguística. Por alguma razão jamais explicada, no Japão furacão é tufão, e nos EUA tufão é furacão. Suponho que a diferença se dê por motivos geográficos, já que é tudo a mesma coisa. Não faz o menor sentido, eu sei, mas é assim. Não fosse, o Athletico Paranaense seria chamado de Tufão, não de Furacão. Por outro lado, tínhamos aqui o Simca Tufão, e não Furacão. Por quê? Não sei, não sei, não sei de nada, perguntem ao ChatGPT.
Voltando ao tufão de Suzuka, desde nossa chegada ao Japão só se falava nele, e na TV era o dia inteiro o cara da meteorologia diante de um mapa que mostrava onde estava o tufão, violento e ameaçador, se aproximando de onde estávamos. Eu não entendia uma palavra do que o desgraçado dizia, mas percebia o pavor em seu olhar e como tremia sua mão naquela varetinha que apontava o caminho do tufão no mapa. Eu via e dizia: “Tá chegando, tá chegando!”. Criei uma enorme expectativa. Imaginei ver vacas voando, telhados de templos budistas levados pelo vento como se fossem folhas de jornal, carros arrastados pelas enxurradas, serviços de trem paralisados, sugeri que comprássemos mantimentos para um mês e cobríssemos as vidraças pregando placas de madeira compensada para que uma vaca voadora não entrasse pela janela. Nosso anfitrião, o Giba — um filho de japoneses de Curitiba que nos hospedava em sua casa –, disse que não tinha vaca nenhuma nas redondezas, que não precisava comprar nada porque se acontecesse alguma coisa seria só no sábado e domingo estaria tudo normal e que eu era um idiota completo. Lembro bem de dizer “idiota completo”, e não apenas “idiota”.
No sábado, como orientaram as autoridades, não saímos de casa e ninguém foi para o autódromo. Acordei e fui para a janela ver o tufão passar, ainda acreditando que alguma vaca poderia surgir voando, quem sabe uma vaca de outra região em visita à cidade, talvez um bode ou um cabrito. Não tem bode nem cabrito aqui, disse o Giba, me chamando de novo de idiota completo. Fiquei na janela o dia todo, mal choveu. O tufão foi um fiasco, não alagou nada, os trens continuaram funcionando, de noite ainda fomos jantar num restaurante que tinha uma chapa na mesa, a gente pegava uns pedaços de carne e fritava lá mesmo, comia com arroz e uns brotos de alguma coisa, feijão, bambu, sei lá, e deu para tomar até caipirinha de saquê porque sempre tem um brasileiro trabalhando em restaurante japonês que sabe fazer. Foi uma merda de tufão, em resumo, e tudo isso para dizer que formaram o grid do GP do Japão no domingo poucas horas antes da corrida, como deve acontecer amanhã se não passar um tufão por aqui.
A classificação está marcada para as 7h30, e caso seja impossível, por causa de uma eventual chuva mais forte, o grid será formado com base no resultado do único treino livre do fim de semana, de ontem pela manhã. Nesse caso, Norris largaria na pole porque foi o mais rápido naquela sessão. George Russell foi o segundo, seguido por Oliver Bearman — que ontem à noite mesmo foi confirmado pela Haas para todo o fim de semana, já que o titular Kevin Magnussen segue doente precisando tomar Floratil, que restaura a flora intestinal. Quem vai se dar mal se isso acontecer é Max Verstappen. Ele foi apenas o 15º no treino livre e tem de pagar uma punição de cinco posições no grid por troca de motor. Largaria em último.
O que seria uma pena, porque o holandês é muito bom de chuva. Uma das melhores atuações que vi no molhado foi dele aqui mesmo em Interlagos em 2016, seu primeiro ano de Red Bull e segundo de F-1. Tinha 19 anos. Chegou em terceiro lugar.
Há previsão de chuva para amanhã o dia inteiro na capital paulista, dizem as mocinhas do tempo nas mesmas rádios das outras meninas que informam sobre o trânsito na capital paulista. Que, no momento em que escrevo, fim de tarde, escuro lá fora, deve estar bem ruim por aí. Suponho que haja alagamentos em alguns pontos da capital paulista. Como vocês viram lá no alto, a direção do GP da Capital Paulista, ex-Brasil, já divulgou a programação dominical, antecipando a largada para as 12h30.
Para o público, o negócio é madrugar. Mesmo sabendo que a classificação pode até não acontecer, e sequer há uma certeza absoluta de que haverá um GP.
Tudo vai depender do tempo na capital paulista.