SPGP (3)

SÃO PAULO (gracias) – Max Verstappen isolou-se como quarto maior vencedor da história da F-1. Ganhou o GP de São Paulo, em Interlagos, e foi a 52 vitórias na carreira. Agora tem, à sua frente nas estatísticas, Lewis Hamilton (103), Michael Schumacher (91) e Sebastian Vettel (53). O holandês deixou Alain Prost para trás. Foi sua 17ª vitória em 20 corridas neste ano – recorde dele mesmo agora ampliado, o de triunfos na mesma temporada.
Mas o nome do domingo de sol e calor no autódromo paulistano foi Fernando Alonso, terceiro colocado – o segundo foi Lando Norris, da McLaren. Graças a ele, a prova ganhou em empolgação nas últimas voltas, com o espanhol da Aston Martin se defendendo de forma brilhante de Sergio Pérez, da Red Bull. Defendendo e atacando, também. Porque Fernandinho chegou a perder a posição na penúltima volta, mas foi buscar sua taça na última, com a garra de sempre. A atuação do asturiano justificou o ingresso para um GP que não foi exatamente um primor de emoções, mas acabou sendo salvo por Alonso. No fim das contas ficou na média de um campeonato que entrará para os anais como um samba de uma nota só.

E até que Interlagos deu a sensação de que iria pregar suas peças antes mesmo da largada, com um “momento Hardy” de Hanna Barbera. No Laranjinha, Leclerc, segundo no grid, foi reto e bateu nos pneus na volta de apresentação. Oh, vida, oh, dia! “Por que tenho tanto azar assim? Por que sempre comigo?”, lamentou-se pelo rádio. Chaleclé perdeu todo o sistema hidráulico de sua Ferrari. Uma pane que deixou a direção ficou pesada como a de um FNM e fez as rodas traseiras travarem. Alarmes tocaram. Trombetas do apocalipse soaram. Pifou tudo. O ferrarista conseguiu colocar o automóvel numa agulha de resgate, tirando-o da pista. E, assim, a largada foi dada. Para, pouco depois, parar tudo de novo.
Às explicações.
Assim que se apagaram as luzes vermelhas, Verstappen pulou muito bem e Alonso, com um buraco à frente pela ausência de Leclerc, muito mal. Stroll, terceiro no grid, também parecia tirar um ônibus da garagem, tamanha a demora para sair do lugar. Norris aproveitou, passou o espanhol e o canadense e conseguiu fazer o S do Senna na segunda posição. Era o melhor cenário possível para buscar um pódio. Hamilton veio junto, em terceiro.
Mas, um pouco atrás, Albon tocou em Hülkenberg – ou foi tocado –, apontou para dentro e Magnussen bateu nele. Ambos foram parar na área de escape do S do Senna. Um pneu voou e atingiu o carro de Daniel Ricciardo. Imediatamente, o safety-car foi chamado. Na sequência, a bandeira vermelha foi acionada em todos os postos de controle. A proteção de pneus no ponto da batida teria de ser reparada, seria preciso parar a corrida.

Verstappen, Norris, Hamilton, Alonso e Stroll eram os cinco primeiros quando a prova foi interrompida, na terceira volta. Os pilotos voltaram ao pitlane e Piastri foi para a garagem. “Teremos de retirar o carro”, avisou o engenheiro do australiano da McLaren. Havia um problema em sua asa traseira. Mas como a corrida foi paralisada, alguém teve a brilhante ideia de tentar solucionar o problema. Talvez desse tempo. E deu. Mas ele acabaria fazendo apenas figuração na prova.
Cabe destacar que, de maneira até surpreendente, quase todos os pilotos foram para a corrida com pneus macios, que iriam durar muito pouco – coisa de 20 voltas num estado minimamente aceitável de performance e desgaste. Mas a experiência da Sprint, na véspera, mostrou que dava para começar com eles.
Enquanto a nova largada não era dada – a paralisação foi de quase meia hora –, os organizadores aproveitaram para informar que, nos três dias do evento, 267 mil pessoas estiveram em Interlagos para ver o GP. Que, hoje, não é mais chamado de GP do Brasil, e sim de GP de São Paulo. E não GP São Paulo, sem o “de”, como eu vinha escrevendo. Adotarei essa forma, “de São Paulo”, respeitando os caracteres da transmissão oficial. Virou zona, esse negócio do nome da corrida. Lembro que, no passado, muita gente chamava a prova de “GP Brasil”. E eu insistia: “Do Brasil”. Como “da Hungria”, “da Alemanha” e “dos Estados Unidos”. Mas brasileiro tem mania de cortar palavras, sílabas, letras. Um inferno.
O novo grid foi formado com as posições da terceira volta. Piastri conseguiu colocar o carro na pista, assim como Ricciardo, apesar do pneu que acertou sua asa traseira. Ambos largaram do pitlane.
Max partiu bem de novo, assim como Norris. Na freada do Lago, Alonso passou Hamilton e foi para terceiro. O único piloto na pista com pneus médios era Piastri. Os demais permaneceram com os macios.
Na sexta volta, em quinto, Russell entrou no rádio. Estava atrás de Hamilton. “Pessoal, vamos trabalhar juntos, em equipe. Aprendi isso num curso de coaching. Não vou atacar meu colega. Afinal, somos colegas. O ambiente na equipe é importante. A harmonia, a camaradagem, uma certa cumplicidade. Valorizo muito isso, tomar um café na copa, conversar sobre o trabalho, a vida…” “Cala a boca, George”, pediu Toto Wolff, desejando ter esticado suas férias recém-interrompidas.

Norris não deixou Verstappen escapar. Na volta 8, desandou a abrir asa e tentar a liderança. Ali, parecia que teríamos uma corrida. Então, alguém avisou o tricampeão que ele não estava sozinho na pista. “Max, há um automóvel de cor laranja atrás do seu. Me parece que ele quer passagem, você poderia dar uma olhadinha?”, pediu seu engenheiro. O holandês, que estava mudando de playlist no novo equipamento de som, por bluetooth, deu uma espiada no retrovisor. Percebeu que havia, sim, um carro por perto. Acelerou. Duas voltas depois, a diferença para Landinho, que era de 0s7, subiu para 2s2. Acabou a corrida.
Enquanto isso, Russell seguia narrando o evento pelo rádio. “Pessoal, aqui é George falando, tudo bem?” Ninguém respondeu. “Vocês sabem que sou eu, seus pândegos!”, descontraiu. “Bom, é o seguinte… Atrás de mim há um mexicano. À frente, um inglês, como eu. Eu jamais atacaria um compatriota. Menos ainda sendo ele da mesma equipe que a minha. Mas o rapaz latino-americano – notem, eu disse latino-americano, e não sul-americano como aquele cidadão da outra equipe, aquele que tem um olho só – está a me pressionar. Vocês sabem, México, cartéis… Viram ‘Breaking Bad’? Eles são implacáveis. Não perdoam. Como dizem, ‘passam no fogo’. Será que não é o caso de…”, e foi quando Toto Wolff, de novo, pediu para ele calar a boca.

Enquanto discursava, na volta 14 Pérez passou. Assumiu o quinto lugar. George voltou ao rádio. “Mas não éramos uma equipe? Lewis não deveria me ajudar? Aqui é cada um por si, é isso? Vejam, no meu curso de coaching aprendemos que…”, e aí Toto Wolff ordenou: “Desliguem o rádio dele, pelo amor de nosso senhor Jesus Cristo”.
Na volta 18, Checo passou Hamilton no S do Senna, assumindo o quarto lugar. Lewis até tentou dar o troco, mas não tinha carro para isso. No fim da volta, foi para o box trocar pneus. Na 19ª, a Mercedes chamou Russell. “Quando parar, gostaria de discutir algumas coisas, alguns pontos que me parecem…”, mas não deu tempo de terminar a frase, os pneus estavam trocados e ele voltou à pista em 11º, atrás do companheiro de equipe.
Os pit stops começaram em ritmo intenso. Pérez parou na volta 21. Quando voltou, estava atrás de Hamilton de novo. Na 23ª, recuperou a posição. Mais atrás, o prolixo Russell perdia a posição para Stroll. Logo depois, o canadense foi para cima de Hamilton e passou também. A Mercedes se arrastava.

Na volta 28, Verstappen e Norris pararam juntos. Ambos colocaram pneus médios. Após o pit stop, Max aumentou sua diferença para Lando para mais de 5s. Alonso seguia firme em terceiro, em sua melhor corrida desde o GP da Holanda, em agosto. Pérez, Stroll, Hamilton, Russell, Sainz, Ocon e Bottas completavam os dez primeiros, todo mundo com pneuzinho trocado. Mas o espanhol da Aston Martin seria ameaçado, em algum momento, pela Red Bull de Checo.
Em sétimo, colado em Hamilton, Russell tentou contato com a Mercedes pelo rádio. Como ninguém respondia, telefonou. Atendeu uma plantonista em Stuttgart. “Gutten Nacht!”, arriscou o piloto, em alemão. “Aqui é o George!” A moça perguntou qual George, mas logo se arrependeu de iniciar um diálogo àquela hora e emendou, antes que o outro dissesse qualquer coisa. “Olha, hoje é domingo, não tem ninguém na fábrica, liga amanhã”, e bateu o fone na cara dele.
Na volta 35, Sainz passou Russell. Lá em Stuttgart, vendo a corrida em sua salinha, a atendente resmungou: “Esse cara é muito fraco, tá louco…”. E continuou a lixar as unhas, esperando o plantão acabar. Sem prestar muita atenção à TV, que estava sem volume, nem percebeu quando, duas voltas depois, o espanhol da Ferrari passou Hamilton, também, assumindo a sexta posição. Mas ela jamais diria uma palavra desairosa sobre Lewis. No ano anterior, quando o piloto visitou a fábrica, ganhou um autógrafo na camiseta e um beijo do heptacampeão que ela se gabava às amigas ter sido quase um selinho. “Pegou de lado”, jurava. A telefonista amava Hamilton. Até tatuou #44 nas costas. Uma tatuagem pequena, mas bem feitinha.

Bottas, que chegou a andar nos pontos, abandonou na volta 41. Era o quinto carro fora da corrida, já que seu companheiro Zhou parara pouco antes. Àquela altura, a única briga de alguma relevância que se desenhava era pelo terceiro lugar, com Pérez chegando em Alonso para tentar um trofeuzinho. Bem mais atrás, Russell era ultrapassado por Gasly, na volta 43. O domingo da Mercedes era uma tragédia. Na volta 46, já ameaçado por Tsunoda, o inglês parou pela segunda vez. E colocou pneus macios.
Pérez fez o mesmo na volta 47 para tentar atacar Alonso na parte final da prova. A segunda bateria de pit stops começou, com Hamilton vindo na sequência. Os macios, ainda que usados, foram a escolha de todos nas paradas derradeiras. Alonso foi para os boxes na volta seguinte à do mexicano, para não perder a posição. Voltou à frente. Mas ainda muito ameaçado.
Por várias voltas, Pérez x Alonso concentraram as atenções no autódromo. Valia lugar no pódio. Na volta 57, Verstappen foi para seu segundo pit stop. Tinha um jogo de pneus macios novinho em folha, com etiqueta e tudo, para a parte final da corrida. Seu companheiro continuava atiçando o veterano da Aston Martin. Norris, líder provisório, era o único na pista com apenas uma parada.
Na volta 59, a Mercedes chamou Russell para os boxes. “De novo?”, questionou o piloto. “Vejam, nossa posição não é boa, mas temos de respeitar o esporte, a competição. No meu curso de coaching aprendi que não se deve desistir até o último…”, e foi quando Toto Wolff perdeu a paciência e gritou: “George, sai do carro e fica quieto!”. O inglês abandonou, com alegados problemas no motor.

O último pit stop da prova foi feito por Norris na volta 60. Voltou em segundo, a mais de 11s de Verstappen. Atrás deles, Alonso resistia bravamente aos ataques de Pérez, usando toda sua experiência e a malandragem adquirida na adolescência nos becos escuros de Oviedo. Checo abria a asa nas retas, tentava, tentava, mas não conseguia se aproximar o suficiente para tentar uma manobra decisiva. Dava gosto de ver Alonso: frio, calculista, talentoso, escolhendo trajetórias diferentes e enlouquecendo o rival.
A agonia da Red Bull deu a impressão de que chegaria ao fim na penúltima volta. Pérez passou no S do Senna, conseguiu se defender na Reta Oposta, mas… O outro ali era Alonso. Ele é espanhol e não desiste nunca, como diz a canção. Na última volta, o carro verde #14 embutiu em Pérez e, na freada do Lago, por fora, o bicampeão retomou o terceiro lugar. Recebeu a bandeirada 0s053 à frente de Checo, que teve de se contentar com o quarto lugar. Um pódio gigantesco de Fernandinho. Troféu suado, mas muito merecido.
Verstappen e Norris ficaram em primeiro e segundo, resultado até previsível por tudo que aconteceu ao longo do fim de semana. Depois de Alonso, na zona de pontos, vieram Pérez, Stroll, Sainz, Gasly, Hamilton, Tsunoda e Ocon. A luta pelo vice de pilotos segue aberta, mas Checo abriu 32 pontos e, agora, dificilmente perde o segundo lugar. Ele tem 258 pontos, contra 226 de Hamilton. Alonso (198), Norris (195) e Sainz (192) travam uma boa disputa pela quarta posição. Entre as equipes, a Mercedes segue com 20 pontos de vantagem para a Ferrari: 382 x 362. Faltam duas provas para o fim do campeonato, em Las Vegas e Abu Dhabi.





Alonso subiu ao pódio pela oitava vez no ano e colocou na estante seu 106º troféu. Ele empatou com Prost nessa estatística na quarta colocação. Só Hamilton (197), Schumacher (155) e Vettel (122) subiram mais vezes do que eles no pódio. Como o asturiano ainda tem pelo menos mais um ano de contrato com a Aston Martin (o terceiro é opcional, mas tudo indica que ele seguirá correndo em 2025, apesar de já estar com 42 anos de idade), as chances de juntar mais algumas taças é muito grande.
O que seria ótimo. Alonso é um piloto bom demais para ter seus números desinflados pelas temporadas erráticas que disputou pela McLaren, Renault e Alpine. O que fez hoje em Interlagos é coisa de gênio.