LAS BREGAS (4)

SÃO PAULO (no fim, deu tudo certo) – Que se diga logo de cara: foi uma ótima corrida, essa de Las Vegas. Um evento que começou muito mal com os problemas dos bueiros na noite de quinta (madrugada de sexta para nosotros no Brasil), mas terminou com um grande espetáculo graças a um traçado que acabou se revelando mais interessante do que se previa. É o que sempre digo: na F-1, muita coisa que a gente antevê como catastrófica pode dar certo quando os carros vão para a pista. Outras ideias que julgamos excelentes, quando colocadas em prática, dão com os burros n’água.
Vegas se encaixa na primeira categoria. A concepção do circuito da cidade dos cassinos, com a gigantesca reta da avenida principal e longas áreas de frenagem, resultou numa prova bem disputada, com brigas até o final e a cereja do bolo da última volta com Charles Leclerc ultrapassando Sergio Pérez para mordiscar a segunda posição. Se em Interlagos exaltamos o duelo do mesmo Pérez com Fernando Alonso pelo pódio na última volta do GP de São Paulo, é justo que façamos o mesmo em Las Vegas. Foi muito bacana.
Quem ganhou? Ora, ora, ora… Max Verstappen, claro. Pela 18ª vez no ano em 21 corridas. Um índice de aproveitamento impressionante de 85,7%. E pela 53ª vez na carreira, igualando a marca de Sebastian Vettel nas estatísticas. O holandês, agora, está em terceiro lugar no ranking dos maiores vencedores da história, atrás apenas de Lewis Hamilton (103) e Michael Schumacher (91).

E não foi um triunfo mamão-com-açúcar, este de Verstappen. O tricampeão mundial teve de driblar uma punição de 5s no começo da corrida e uma colisão com George Russell na metade para colocar mais um troféu de vencedor na estante.
Na largada, Max conseguiu pular à frente do pole-position Leclerc, mas na primeira curva, com pouca aderência nos pneus frios — a temperatura ambiente era de 18°C, com 17,5°C no asfalto –, espalhou demais e jogou o monegasco para a área de escape. Os comissários esportivos demoraram para avaliar a manobra, mas na altura da oitava volta avisaram que ele seria punido com 5s — pena que teria de ser cumprida no primeiro pit stop.
A maioria dos pilotos escolheu os pneus médios para começar o GP numa pista muito lisa e gelada. Mas alguns que largavam mais atrás, na segunda metade do pelotão, optaram pelos duros — menos aderentes ainda. Foi o caso, por exemplo, de Oscar Piastri, Hamilton, Lance Stroll, Pérez e Alonso — que, ao longo da corrida, teriam lá seus momentos de protagonismo.


Alonso, por conta disso, rodou logo na primeira freada, quase causando um acidente múltiplo. No fim, se recompôs e ainda conseguiu chegar ao fim da prova na nona colocação. Bem, mesmo, largou Yuki Tsunoda. De pneus macios, saltou de 20º para 12º na primeira volta. Mas ficou nisso. Acabou abandonando no final, com problemas no câmbio.
Logo na terceira volta, lá no fundão, Lando Norris bateu forte — teve até de ser levado a um hospital para checar seu estado geral –, motivando a entrada do primeiro safety-car da noite. Alonso e Pérez aproveitaram para ir aos boxes, trocaram os bicos de seus carros, danificados na largada, e conseguiram se recolocar na corrida. A relargada aconteceu na volta 7. Verstappen se segurou na frente, mas Leclerc não desgrudava dele. E conseguiu dar o bote para cima do holandês na volta 16, assumindo a ponta.
Sentindo que seus pneus já não rendiam grande coisa, o piloto da Red Bull foi imediatamente para os boxes, pagou a multa de 5s e voltou à prova em 11º. Teria de remar bastante para recuperar o tempo perdido.

E foi o que Max fez. Quem aparecia pela frente, ele passava. “A asa móvel aqui ajudou muito”, contou depois da corrida. De fato, contrariando alguns prognósticos que apontavam na direção oposta, em Vegas dá para passar e não é difícil. Na volta 23, Verstappen já era o sexto, tentando descontar a diferença para Leclerc, que parou na 21ª e voltou em terceiro. Pérez e Stroll, que largaram com duros, eram os dois primeiros — o mexicano já tinha feito um pit stop no início, mas como foi sob safety-car não perdeu muito tempo.
A corrida era boa, com ação de cabo a rabo, e chegou à metade com Max na quinta colocação. Foi quando o holandês mergulhou para cima de Russell na curva 12 e voou pedaço de carro para todo lado. “Ele jogou o carro em cima de mim!”, reclamou o tricampeão, pedindo para a equipe verificar asa dianteira e pneus. “Tá tudo bem, Max”, ouviu de volta.

Como tinha muita coisa espalhada pela pista, acionaram o safety-car novamente na volta 26 para a faxina geral. Pérez e Stroll pararam. Leclerc assumiu a ponta, mas optou por não colocar pneus novos. E, aqui, destaque-se outra previsão que não se confirmou: a de uma calamitosa degradação dos pneus; não aconteceu, o que surpreendeu todo mundo, principalmente os pilotos. Verstappen também se jogou nos boxes durante o safety-car. Charlinho, Pérez, Gasly, Piastri, Verstappen e Ocon eram os seis primeiros. Stroll, Albon, Russell e Sainz completavam a lista do top-10.
A relargada aconteceu na volta 29 e Russell foi punido com 5s por bater em Verstappen quando foi ultrapassado. A penalidade lhe custaria caro. Ele terminaria a prova em quarto, mas o tempo acrescido o atirou para a oitava colocação. Piastri passou Gasly e assumiu o terceiro lugar. Leclerc, pouco antes, quase rodou atrás do safety-car, com pneus muito frios.
E sobrou para Pérez atacar o monegasco, enquanto Max tentava se livrar de Gasly e se defendia de Ocon, o sexto. Quando a asa móvel foi liberada, ele passou o francês da Alpine. Checo, por sua vez, tinha mais dificuldades com a Ferrari #16. Só na volta 32 conseguiu superar o carro vermelho para assumir a ponta. Na 33ª, Verstappen deixou Piastri para trás e partiu para cima de Leclerc.


Percebendo que Pérez não se mandava na frente, Chaleclé resolveu dar o troco no mexicano e na volta 36 retomou a liderança no mesmo ponto onde houvera sido ultrapassado. Na mesma volta, Max jantou o companheiro. “O vida, oh dia”, suspirou Leclerc ao ver Verstappen no retrovisor. E na volta 37 Max assumiu a ponta, fazendo a ultrapassagem sobre o ferrarista.
Para não ser mais incomodado, rapidamente o piloto da Red Bull tratou de abrir mais de 1s sobre Leclerc de forma a não ser surpreendido pela asa móvel do adversário. Mas nem precisava. Na volta 43, Charlinho errou uma freada, quase bateu, e Pérez aproveitou o ensejo para assumir o segundo lugar. Pouco depois, Piastri parou, com os pneus bem gastos. Fazia uma grande corrida. Mas caiu para 12º. Outro que despencava volta a volta era Gasly, sendo ultrapassado por todo mundo, perdendo rendimento nos pneus. A cinco voltas do fim, estava em décimo. Seu parceiro Ocon, em compensação, brilhava em quarto, trazendo com ele outro bom nome da noite, Stroll.
Leclerc, combativo, retomou sua contenda com Pérez. Na volta 46, já estava de novo a menos de 1s do mexicano para, abrindo a asa, tentar retomar o que julgava ser dele. A Red Bull, na última volta, pediu para Verstappen tirar um pouco o pé de modos que Checo pudesse aproveitar o vácuo se distanciando do assédio do piloto da Ferrari. Nem isso adiantou. Na curva 14, Leclerc foi para cima e passou o infeliz do carro #11. Como em Interlagos, no apagar das luzes – aqui, quem passou Pérez foi Alonso.

Meio desajeitado, o cantor Justin Bieber deu a quadriculada para Verstappen ganhar mais uma. Leclerc e Pérez completaram o pódio. Ocon, Stroll, Sainz, Hamilton, Russell, Alonso e Piastri fecharam a zona de pontos. Ocon saiu de 16º para quarto; Stroll, de 19º para quinto. Foram dois grandes destaques da corrida. Por outro lado, três pilotos que largaram lá na frente, Gasly, Albon e Sargeant, ficaram para trás e não pontuaram. Pelo rádio, Max cantarolou, às gargalhadas, “Viva Las Vegas”, de Elvis Presley – hit dos anos 60 cuja letra, a quem interessar possa, está aqui.
Os três primeiros estacionaram seus carros no Parque Fechado e foram enfiados no banco traseiro de um Rolls Royce. Ficaram bem apertados, Verstappen no meio. O cerimonial previa levá-los até o hotel Bellagio, onde seria feita a entrevista pós-corrida diante do lago artificial com sua famosa fonte luminosa.




Verstappen e Pérez vestiam macacões circenses cheios de estrelas e com o nome de Elvis inscrito na cintura – figura onipresente em Vegas, a começar dos chatíssimos clones que se vestem como o cantor e circulam pela cidade. O primeiro, de branco; o segundo, de vermelho. O ex-piloto David Coulthard fez as perguntas protocolares, Max disse que adorou a corrida e jurou que estava ansioso para voltar no ano que vem, entraram de novo no Rolls Royce e voltaram para a área de box para receber seus troféus.
O pódio foi montado sobre uma estrutura que lembrava um gigantesco caminhão de trio elétrico puxando foliões no carnaval de Salvador. Era, na verdade, um conjunto de três caixotes revestidos de telões – os mesmos que foram usados na cerimônia de apresentação dos pilotos, quarta à noite. Troféus entregues, um show de fogos espalhados pelos edifícios mais altos da cidade encerrou a festa.




A corrida foi breve, menos de 90 minutos de ação numa pista que, embora seja de rua, é bem veloz. Ficou até um gostinho de “quero mais”. Leclerc seguiu na sua rotina de fazer poles e não vencer — são 23, com apenas quatro vitórias. Pérez, apesar da decepção da última volta, garantiu matematicamente o vice-campeonato com 273 pontos — Hamilton, o terceiro, tem 232 e também assegurou a terceira posição. Sainz e Alonso, com 200, brigarão pelo quarto lugar em Abu Dhabi, semana que vem, no encerramento do campeonato.
É a primeira vez que a Red Bull faz 1-2 na tabela de classificação. Resultado que, claro, confirma a permanência do mexicano no time para 2024 — algo que chegou a ser colocado em questão em determinado momento da temporada. No Mundial de Construtores, o vice-campeonato está totalmente aberto. Como a Ferrari marcou 26 pontos e a Mercedes fez apenas dez hoje, a diferença a favor dos alemães caiu para apenas quatro — 392 x 388. Foi um péssimo fim de semana para o time de Toto Wolff. O dirigente falou muito, mas sua equipe fez pouco.
No balanço das horas, do ponto de vista do espetáculo esportivo, Las Vegas valeu a pena. A última impressão é sempre a que fica, e essa foi boa. A qualidade da corrida será mais lembrada no ano que vem do que o infausto vexame dos primeiros treinos, que terminaram às quatro da madrugada sem público nas arquibancadas.
O resto fica por conta do gosto de cada um.