RÁDIO BLOG
Só ouvir tá bão…
Só ouvir tá bão…
A IMAGEM DA CORRIDA
SÃO PAULO (prepare-se, tá longo!) – E dá para ser outra? A foto que mostra Zhou enfiado no que restou de sua Alfa Romeo é uma das mais impressionantes da história recente da F-1. O carro se encaixou exatamente entre os fundos do guard-rail (com perigosas lâminas verticais para fixação no solo) e a tela do alambrado que separa a pista de um lance de arquibancadas.
Mas o acidente produziu outras imagens marcantes, que seguem na galeria abaixo. Destaque para a agonia de Russell, que saiu correndo de seu carro para ver se poderia ajudar Zhou, o santantônio que absorveu o primeiro impacto no asfalto mas, depois, cedeu, e o papel fundamental do Halo na proteção da cabeça do piloto. Zhou nasceu de novo. E aproveitou para gravar um vídeo.
A contragosto, porque vocês sabem que sou chegado num texto todo encadeado, cheio de referências literárias e da cultura pop, um tema chamando o outro e tal, vou abusar das caixinhas policromáticas hoje. É a pressa. Daqui a pouco tem o “Bem, merdinhas!” no YouTube e não quero atrasar. E também quero ver “Pantanal”. Enfim, não reclamem.
Mas vou caprichar. Tudo com fotos, cores chamativas, piadas sem graça, um verdadeiro show de rescaldo. Antes, porém…
A FRASE DE SILVERSTONE
“Parem de inventar!”
Carlos Sainz
Quando a Ferrari pediu a Sainz pelo rádio, antes da relargada a poucas voltas do final, para deixar entre ele e Leclerc, o líder, uma distância de dez carros, de modo a proteger a liderança do monegasco dos ataques de Hamilton e Pérez, que tinham colocado pneus macios, o espanhol gritou: “Dá para vocês pararem de inventar? Eu estou sob pressão! Acreditem em mim, temos muito mais a perder!”
O parágrafo acima ficou horrendo, cheio de vírgulas, embora impecável do ponto de vista gramatical. Mas não vou mexer, leiam devagar que dá para entender.
A Ferrari pareceu ignorar o fato de que Sainz também tinha pneus macios novos. E que seria uma questão de tempo todo mundo passar Leclerc. Pedir a ele para ficar longe de Charlinho era suicídio. Carlos perderia o vácuo natural do companheiro e seria atacado por Hamilton e Pérez como Levi o foi pelas piranhas depois de tentar pegar a Muda a força. Não deu para o Tibério salvá-lo.
Mattia Binotto disse que não chamou Leclerc para um pit stop quando o safety-car foi acionado porque o time avaliou que os pneus macios de seus adversários iriam se desgastar rápido, e que quando o monegasco tivesse chegado novamente à temperatura ideal de seus pneus duros usados conseguiria segurar o rojão. Errou feio, óbvio. Mas teve mais, no rosário de desculpas ferraristas. Caixinha 1:
CASCATA – Binotto também se defendeu por não ter parado Leclerc alegando que seria difícil fazer dois pit stops com a devida agilidade, já que Sainz entraria nos boxes junto com ele. O espanhol teria de esperar e perderia posições. Conversa. Leclerc tinha 4s7 de vantagem para Carlos naquele momento. Quando o safety-car foi acionado, todo mundo tirou o pé e essa diferença aumentou ainda mais. Dava para Leclerc entrar, fazer uma parada tranquila, verificar água e óleo, jogar uma água no para-brisa, sair, e só então Sainz chegaria esbaforido para seu pit stop. Sem perder tempo nenhum.
DESOLADO – Leclerc, que já desperdiçou pontos importantes no campeonato por bobeadas da Ferrari (como em Mônaco, pedindo para ele ficar na pista quando já tinha entrado nos boxes), reclamou que perdeu muito tempo na corrida, insinuando que a equipe talvez tenha demorado para tirar Sainz de sua frente quando tinha um ritmo bem melhor. Pode ser. De qualquer maneira, procurou ser gentil nas declarações. “Não vou ficar reclamando aqui, não seria justo no dia em que Carlos ganhou sua primeira corrida.” Muito educado. Falando em Sainz, não lembro se mencionei o número ontem, mas lá vai: ele é o segundo espanhol a vencer um GP na história. O outro é Alonso, que ganhou 32 corridas. A última tinha sido em Barcelona em 2013, pela mesma Ferrari.
FOGO AMIGO – Verstappen passou por cima de pedaços da AlphaTauri logo depois de assumir a liderança da corrida, quando a dupla da filial de Faenza se enroscou e ambos rodaram. Tsunoda foi considerado culpado pelo incidente e pediu desculpas a todos na equipe, no Japão, na Itália e nas lojas de roupa da marca. Gasly acabaria abandonando a prova. Max perdeu, segundo cálculos da Red Bull, 20% da eficiência aerodinâmica de seu carro, já que os detritos quebraram o assoalho. Hoje apareceu uma foto dele com o pedaço de carro que arruinou sua corrida na mão. Não parecia muito preocupado. A imagem está logo abaixo das próximas caixinhas.
SCHUMACHER, DEZ ANOS DEPOIS – O oitavo lugar de Mick Schumacher não foi só sua estreia na zona de pontos. Representou também a volta do sobrenome às estatísticas da categoria depois de quase dez anos. Os últimos pontos de seu pai foram marcados com uma sétima posição em Interlagos em 2012, em sua despedida da F-1.
TORCEDOR ILUSTRE – Na dura batalha com Verstappen pelo sétimo lugar, nas voltas finais da corrida, Mick teve um torcedor muito querido e famoso bem perto. Atrás do carro da Haas vinha Sebastian Vettel, guru do menino, que o trata como filho. “Tudo que fiz naquelas voltas foi gritar dentro do capacete: ‘Vai, Mick!'”, contou o tetracampeão da Aston Martin com um enorme sorriso no rosto. Depois da corrida, deu um abraço caloroso no filho de Michael. Foi bem legal.
ZEROU – George Russell não teve como alinhar seu carro no grid para a nova largada porque deixou o cockpit correndo para acudir Zhou, como vimos acima. Daria para correr, tinha apenas furado um pneu. Chegou a voltar ao carro para tentar ligá-lo, mas não conseguiu. Precisaria voltar aos boxes sem auxílios externos para ser autorizado a correr. Enquanto quebrava a cabeça para saber como fazer, chegou uma plataforma e levou seu Mercedão embora. Foi a primeira prova do ano em que Russell não pontuou.
MARATONOU – Ao completar o GP da Inglaterra, Fernando Alonso tornou-se o piloto com a maior distância já percorrida em provas de F-1: 92.643 km, superando Kimi Raikkonen. Ainda perde para o finlandês no número de voltas: 18.621 para Kimi, 18.549 para o espanhol. Em breve será recordista nesse item das estatísticas, também. A F-1 fez a conta. O que Alonso já andou em corridas equivale a 2.195 maratonas e 2,3 voltas na Terra. Que é redonda.
CANA – Pouca gente viu, mas a ameaça de invasão de pista por manifestantes do grupo “Just Stop Oil” prometida na semana da corrida se concretizou. E só não deu uma merda federal porque a prova foi interrompida na primeira volta. Os caras entraram mesmo logo depois da largada e se sentaram no asfalto. Mas naquela altura os pilotos já estavam lentos por causa da bandeira vermelha. Muitos deles reportaram a presença dos amalucados a suas equipes, aflitos, pelo rádio. Alguns acharam que a prova havia sido interrompida por causa deles. Outros não entenderam direito do que se tratava. A polícia informou que prendeu sete invasores. Hamilton, depois da corrida, disse que todo mundo tem o direito de se manifestar. Mas que a forma escolhida pelo grupo não é aceitável. Afinal, coloca em risco a vida de um monte de gente.
O NÚMERO DA INGLATERRA
13
…pódios em Silverstone alcançou Hamilton, recorde de troféus num mesmo circuito. Mas não no mesmo GP. Um desses pódios foi obtido na prova batizada como GP do 70º Aniversário, em 2020 — temporada em que Silverstone sediou duas etapas do Mundial, por causa da pandemia. Deixou Schumacher para trás nas estatísticas. O também heptacampeão subiu ao pódio 12 vezes em três circuitos: Ímola, Barcelona e Montreal. O recorde de pódios para um mesmo GP, disputado sempre com o mesmo nome, pertence ao alemão (San Marino, Espanha e Canadá) e a Hamilton (com 12 taças no GP da Inglaterra). Ficou claro, isso?
JEJUM – E no mesmo dia em que estabeleceu um recorde altamente positivo e impressionante, Lewis amargou uma marca indigesta: sua maior sequência sem vitórias na carreira. Completou 11 provas sem subir ao degrau mais alto do pódio. São as dez deste ano mais a última da temporada passada, em Abu Dhabi.
SUDERJ INFORMA – A organização do GP da Inglaterra contabilizou 400 mil ingressos vendidos para os quatro dias do evento. No domingo, as arquibancadas e gramados de Silverstone receberam 142 mil almas.
PORSCHE JÁ? – A informação é de João Carlos Costa, colega da Sport TV portuguesa: neste fim de semana, na Áustria, Red Bull e Porsche anunciarão oficialmente parceria válida a partir de 2026, quando entra em vigor o novo regulamento de motores da F-1. Aguardemos.
GOSTAMOS & NÃO GOSTAMOS
GOSTAMOS muito de ver Vettel dando umas voltas com o Williams FW14B antes da corrida. O carro, campeão de 1992 com Nigel Mansell, pertence a sua coleção particular. Nigel estava lá e, claro, foi matar as saudades da máquina e tietar o piloto. Mansell, durante todo o fim de semana, demonstrou enorme carinho e respeito por todos os pilotos no grid. Aprenda, Nelson.
NÃO GOSTAMOS de Ricciardo. Não há mais o que dizer. Norris foi o sexto colocado. O australiano, 13º. Chegou atrás de Latifi. Já não tem defesa. Nem foto merece mais.
SEMANA DE SILVERSTONE BY MASILI
E para fechar, nosso genial Marcelo Masili resume a semana. Acho que nem precisa de legenda.
Sobre Piquet, ídolos do passado, mudanças necessárias. A coluna da semana no espevitado portal está aqui.
Meu irmão Mauricio mandou e me pergunto: como vivi até hoje sem ver um troço tão legal?
SÃO PAULO (e foi bonito, viu?) – Aconteceu de tudo no GP da Inglaterra em Silverstone. Incluindo uma vitória inédita, do espanhol Carlos Sainz, da Ferrari. Era zebra, apesar da pole. Mas problemas com a Red Bull de Verstappen e uma bobeada da Ferrari com Charles Leclerc durante um safety-car no fim deram ao espanhol o sonho do degrau mais alto do pódio. Pérez foi o segundo e Hamilton, o terceiro. Leclerc, Alonso, Norris, Verstappen, Schumacher, Vettel e Magnussen fecharam a zona de pontos.
Mick fez seus primeiros pontos na F-1. Max salvou o que deu com um carro todo estropiado — o assoalho quebrou — e segue tranquilo na liderança do Mundial. Tem 181 pontos, contra 147 de seu companheiro Pérez. Leclerc, com 138, aparece em terceiro.
A corrida começou muito tensa, com um acidente múltiplo nos primeiros metros envolvendo Russell, Tsunoda, Zhou, Albon e Ocon. A bandeira vermelha foi imediatamente acionada e a corrida, paralisada. Registre-se que Verstappen, com pneus macios, havia largado muito bem, ganhando a ponta na primeira curva em cima do pole Sainz, que tinha calçado pneus médios para o início da prova.
Por longos minutos a transmissão oficial não mostrou Zhou, que capotou, enquanto os outros carros voltavam para os boxes ou por meios próprios, como Tsunoda e Ocon, ou rebocados, casos de Russell e Albon.
No paddock, as expressões eram fechadas e preocupadas. A falta de informações sobre o estado do piloto chinês gerava uma agonia que parecia infinita.
Só às 11h25, pelo horário de Brasília, as imagens foram liberadas na TV e deu para entender a dinâmica do acidente. Primeiro, Gasly tocou de leve no carro de Russell – que largara de pneus duros, sem aderência alguma, perdendo várias posições. O inglês da Mercedes perdeu o controle, apontou para a esquerda e acertou Zhou. O chinês, então, capotou e seu carro se arrastou de cabeça para baixo por um pedaço de asfalto e depois pela caixa de brita em altíssima velocidade, até decolar num “degrau” da área de escape, passar por cima de uma barreira de pneus e só parar numa grade de proteção a poucos metros do público que se encontrava ali numa arquibancada. O halo salvou sua vida.
Às 11h29, quase meia hora depois da largada, a Liberty colocou no ar uma comunicação de rádio entre a Alfa Romeo e Bottas, companheiro de Zhou. “Ele está OK”, disse o engenheiro. A emissão foi levada aos alto-falantes de Silverstone e o público aplaudiu, aliviado. Então, várias imagens impressionantes passaram a ser mostradas. E foi possível compreender também o que aconteceu um pouco mais atrás: Vettel bateu na traseira de Albon, que virou de repente e deu no muro, voltou para o meio da pista e foi atingido por Tsunoda, que acabou batendo também em Ocon. Zhou e Albon foram levados ao centro médico do autódromo. Depois, o tailandês seguiu de helicóptero para um hospital para exames.
O chinês não precisou de maiores cuidados. É incrível que ele tenha saído sem um arranhão. Um pouco mais tarde, Zhou gravou um vídeo para dizer que estava bem e agradeceu as mensagens que recebeu. No paddock, foi recebido pelo CEO da F-1, o italiano Stefano Domenicali.
Pouco antes do meio-dia, sempre pelo horário de Brasília, os carros foram encaminhados para a pista atrás do safety-car para uma nova largada, com as posições originais de grid – já que a prova fora interrompida na volta 1 e o que vale para a retomada são as posições da volta anterior, no caso o grid definido um dia antes. Foram 54 longos minutos de paralisação. Tsunoda e Ocon tiveram seus carros reparados e foram para a corrida, reiniciada com o número original de voltas, 52. Gasly, Tsunoda, Ocon, Latifi e Vettel colocaram pneus macios. Os demais, médios.
Na nova largada, Sainz, Verstappen, Leclerc e Pérez se esfregaram por várias curvas, mas mantiveram as posições que tinham no grid. Hamilton, da turma da frente, foi ultrapassado por Norris e caiu para sexto. Na sexta volta, Pérez foi para os boxes com seu carro danificado. A Red Bull teve de trocar o bico por causa da refrega com Leclerc e ele despencou para o fundo do pelotão, iniciando uma excepcional recuperação.
Lewis retomou a posição de Norris assim que a direção de prova autorizou o uso da asa móvel e subiu para quarto, com a parada prematura de Checo. Sainz e Verstappen, em primeiro e segundo, se distanciavam. E Max começou a preparar o bote para cima do espanhol.
Nem precisou se esforçar muito. No final da 10ª volta, Sainz deu uma “traseirada”, escapou da pista, conseguiu voltar, e Max passou, assumindo a liderança. Um pouco mais atrás, Tsunoda e Gasly se enroscaram pateticamente numa disputa caseira de posição e rodaram. O japonês seria punido.
A liderança de Verstappen durou pouco, duas voltas. Um suposto pneu furado o levou aos boxes logo depois de passar Sainz. Fez a parada e voltou em sexto. Mas as coisas não estavam nada boas para o holandês. Assim que retornou do pit stop, avisou pelo rádio que seu carro estava “100% quebrado”. O time respondeu que sim, tinha alguma coisa quebrada mesmo, mas que não era nada crítico. Perderia rendimento por falta de pressão aerodinâmica, mas daria para continuar. “Não é nada estrutural, você está seguro, não temos o que fazer.” Para Max, a partir dali, seria apenas uma questão de chegar ao fim e fazer o máximo de pontos possíveis.
Lá na frente, duas Ferrari. Sainz em primeiro, Leclerc em segundo. Disputando a ponta. O espanhol não queria nem saber: lutava pela primeira vitória de sua carreira. Charlinho reclamava pelo rádio que queria passar: “Ele tá fodendo minha corrida!”. Ouviu um cri-cri-cri de volta. Sainz, sim, foi alertado para dar uma apertadinha porque Hamilton, em terceiro, começava a se aproximar. Mais de uma vez. “Não me falem mais isso, por favor”, respondeu o #55, com toda calma possível. Norris, Alonso, Verstappen, Ocon, Bottas, Ricciardo e Pérez fechavam as dez primeiras colocações na altura da volta 20.
Foi quando a equipe chamou Carlos para os boxes. Colocou pneus duros para ir até o fim da corrida. Voltou em terceiro. E Lewis começou a crescer na prova, descontando a diferença que tinha para o novo líder Leclerc. Fora da briga pela vitória com o carro todo torto, Verstappen parou de novo na volta 24 para colocar pneus duros e tentar salvar o domingo, voltou em oitavo e passou o resto da corrida reclamando que o carro não tinha aderência, que com aqueles pneus parecia que estava andando no gelo, que a frente estava ruim e a traseira, também. Hamilton assumiu a liderança de um GP pela primeira vez no ano na volta 26, quando Leclerc parou para trocar pneus. Voltou em terceiro, atrás de Sainz.
A vantagem do heptacampeão para o espanhol da Ferrari era de 17s, e ele ainda teria de fazer sua parada. Pelo rádio, informava à Mercedes o tempo todo: “Os pneus estão bons, lindos, maravilhosos, gostosos, redondinhos, coisa linda de Jesus”. Ele precisava abrir pelo menos 20s para fazer o pit stop e voltar ainda na frente das duas Ferrari, com pneus mais novos.
A conversinha radiofônica no time italiano era divertida. “Vocês estão livres para lutar”, disse um macarrônico engenheiro a Leclerc, que estava a menos de um segundo de Sainz. Para o espanhol, porém, a informação foi outra: “Bonitón, você tem de entrar num ritmo de voltas em 1min32s2, senão vamos inverter as posições”. Ele respondeu, com total serenidade: “Me deem mais uma volta”. Passou a volta, o tempo não veio, a equipe pediu: “Sai da frente”. E Carlos, ainda calmo e tranquilo: “OK”. Saiu. Era a volta 31. Hamilton seguia 18s à frente, agora tendo a Ferrari #16 do monegasco em segundo.
Charlinho tinha seus motivos para solicitar que seu quase sempre depressivo companheiro não atrapalhasse sua jornada. Passou a fazer voltas muito rápidas, a senha para que Lewis entrasse nos boxes na volta 34. Colocou pneus duros e saiu em terceiro, longe dos dois carros vermelhos. A parada foi ruim: 4s3, contra uma média de 2s5 dos pit stops da Ferrari. O milagre de uma vitória em casa ficou mais distante.
Mais para trás, Verstappen se arrastava para se manter na zona de pontos. Foi ultrapassado por Ocon e caiu para nono. Schumacher, em décimo, se animou e foi buscar o holandês cuja equipe ele só conhece pelo nome – raramente se veem na pista. Só que Ocon quebrou na volta 39. Bomba de combustível. Parou o carro na reta dos boxes antigos. E, claro, entrou o safety-car, para desespero da Ferrari.
Sainz e Hamilton correram para os boxes e colocaram pneus macios para a parte final da prova. Leclerc, que estava cerca de 4s à frente do companheiro, não parou. “Me mandaram ficar na pista, fiquei”, diria depois da corrida, puto dentro do macacão. Lewis ainda ficou na dúvida: “Gente, será que esse pneu aí é o melhor mesmo?”. Oxe. Claro que era! Faltavam 12 voltas, apenas. O espaguético engenheiro de Leclerc avisou: “Os caras estão aí atrás de pneus macios novos”. Charlinho, pneus duros com 16 voltas de vida, constatou, desolado: “Vai ser meio difícil”.
Ô, se ia… A relargada veio na volta 43. Sainz foi para cima. Leclerc, marrento, dificultou. Mas não resistiu. Pérez, de quem ninguém se lembrava até o safety-car, passou Hamilton e foi para cima do monegasco. Lewis tentou dar o troco. E a volta 46, pouco depois, foi daquelas históricas: Pérez atacou Leclerc, que se defendeu, e Hamilton passou os dois. Mas eles não se conformaram nem um pouco e foram para cima do inglês juntos, recuperando as posições.
Lewis ainda levaria três voltas para passar Leclerc e subir para terceiro. Pérez já estava longe, em segundo. Sainz mais ainda, na ponta. E assim terminaram os três do pódio. Carlos parecia não acreditar. Foram 150 GPs para chegar lá. “Vocês não imaginam como estou me sentindo”, disse, pelo rádio. O primeiro a cumprimentá-lo, no Parque Fechado, foi Leclerc. Sem muita empolgação, é verdade. Mas cumprimentou. Foi um bom esportista. “A única coisa boa hoje foi o Carlos ganhar.” Depois foi pedir explicações à Ferrari.
Sainz se tornou o segundo espanhol a vencer na F-1. O outro é Fernando Alonso, que ganhou 32 corridas — a última delas também pela equipe italiana, em Barcelona/2013.
Na entrevista antes do pódio, o carrancudo Sainz, finalmente, sorriu.
SÃO PAULO (amanhã muda tudo) – Foi um sábado de heróis improváveis em Silverstone. A começar pela pole-position inédita de Carlos Sainz. O Junior, filho do grande bicampeão mundial de rali que continua dando suas aceleradas por aí. Em sua oitava temporada na F-1, o espanhol finalmente conseguiu. Larga na frente amanhã para o GP da Inglaterra. É o segundo espanhol a fazer uma pole na categoria. O outro, todos sabem, é Fernando Alonso — 22 no cartel.
E antes de seguir com este relato histórico e comovente, pequena caixinha curiosa que o pessoal do Grande Prêmio me mandou (está sobrando tempo lá, pelo jeito…):
CARlos Sainz é apenas o sexto piloto na história da F-1 a fazer uma pole com CAR no nome. Os outros foram Alberto AsCARi, CARlos Reutemann, RicCARdo Patrese, GianCARlo Fisichella e José CARlos Pace. Falei da incrível sequência para Laêne, minha namorada. “CARaca, e daí?”, ela reagiu.
Sainz é, também, o 104º piloto a fazer uma pole desde o nascimento da F-1, em 1950, e o segundo que mais tempo demorou para chegar lá. Foi na sua 150ª tentativa. Sergio Pérez é o recordista: esperou 216 GPs para chegar lá — no GP da Arábia Saudita deste ano. Nesta temporada, a Ferrari chegou a sete poles (seis foram de Leclerc), contra três da Red Bull (duas de Verstappen e uma de Checo).
Isso posto, vamos a um resumo do que aconteceu em Silverstone.
Eu falava lá no início dos heróis improváveis do sábado chuvoso em Northamptonshire, que para quem não sabe é como se chama a região onde fica o circuito que recebeu a primeira corrida da história da categoria. Um deles é o moço aí em cima que merece até uma galeria de fotos neste prestigiado blog. Não sei se terá outra chance.
Trata-se do simpaticíssimo boa praça Nicholas Latifi, que há algumas semanas estava no centro de uma boataria indicando que nem correria na Inglaterra. Por seu fraco desempenho, batidas em excesso e incompatibilidade com a velocidade, seria dispensado para a estreia de Oscar Piastri pela equipe. Mas a Williams recebe um bom dinheiro do pai de Latifi em forma de patrocínio. Tem um contrato em vigor que termina no final do ano. Ninguém rasga dinheiro na F-1.
Hoje Latifi encheu de orgulho aqueles que sempre torcem pelos mais fracos. Pela primeira vez na carreira, conseguiu levar seu carro ao Q3. Está em sua terceira temporada na categoria, sempre pela Williams. Construiu uma fama indesejada — por vezes merecida — de barbeiro inconteste, sendo inclusive responsável direto pelo desfecho do Mundial de 2021, quando bateu seu carro no fim do GP de Abu Dhabi, sozinho, motivando a entrada do safety-car que tiraria a vitória e o título de Lewis Hamilton.
Em Silverstone, a Williams introduziu quinhentas atualizações num de seus carros. O de Alexander Albon. Latifi ficou com a charanga do jeito que estava, sem kit multimedia — um reles toca-fitas Roadstar –, vidro elétrico, desembaçador traseiro e com rodas de ferro sem calota. No máximo passaram uma flanela na carenagem. Não abriu o bico para reclamar. E, na chuva, andou muito bem. Larga em décimo. Albon, em 16º. Parabéns, Latifi! Hoje você mostrou o seu valor.
Outro protagonista inesperado do dia foi o estreante Guanyu Zhou, chinês que chegou à categoria envolto em desconfiança pela falta de tradição automobilística de seu país e por carregar o rótulo de piloto pagante — como se ninguém mais tivesse desembarcado na F-1 com patrocinadores fortes para garantir um lugar.
Terceiro colocado na F-2 no ano passado — seu companheiro era o incensado brasileiro Felipe Drugovich, que terminou o campeonato em nono –, Zhou vem fazendo uma temporada honestíssima pela Alfa Romeo. Mesmo em situações difíceis, como a pista encharcada de hoje, não comete erros e mostra segurança e talento. Ficou em nono no grid, três posições à frente do companheiro de equipe, o experiente e peladão Valtteri Bottas — excelente piloto, diga-se, e o mesmo pode-se dizer de seu bumbum bem desenhado.
A meteorologia acertou na mosca, e depois de uma sessão de treinos livres com pista seca, no início da tarde inglesa, a chuva veio com gosto momentos antes de começar a classificação. Sem água, pouco antes, Verstappen dominara o TL3 com o tempo de 1min27s901, 0s410 mais rápido que seu companheiro Sergio Pérez e com mais de meio segundo de vantagem para Leclerc, Russell, Hamilton e Sainz, que vieram a seguir.
Essa referência do cronômetro no derradeiro treino livre do fim de semana é importante para projetar o que deve acontecer na corrida amanhã, que deverá ser disputada com tempo seco, de acordo com os serviços meteorológicos. Se não entenderam ainda o que estou querendo dizer, porque estou cheio de dedos, lá vai: Max vai sumir na frente e ganhar, se não chover.
Mas voltemos à classificação. Mesmo com uma boa quantidade de água no asfalto silverstônico, em nenhum momento os pilotos usaram pneus para chuva forte. Os intermediários cumpriram bem seu papel. Tive o cuidado de anotar a evolução da melhor volta ao longo do Q1, mas não vou enchê-los de números aqui. Basta dizer que Leclerc foi o primeiro a registrar uma volta rápida com 1min47s521 e até o 1min39s129 de Verstappen, que fechou essa parte da classificação na frente, a ponta da tabela mudou dez vezes, nela revezando-se os dois já citados e Russell, também.
Essa volta de Verstappen, no Q1, acabaria sendo a melhor do dia no molhado, porque a pista piorou até o final da classificação. Os primeiros eliminados foram Albon, Magnussen, Vettel, Schumacher e Stroll. Novidade, aí, a passagem de Latifi ao Q2. Decepção? Os dois carros da Aston Martin, mais uma vez.
O Q2 começou com mais água e Zhou registrando a primeira melhor volta, em 1min44s029. Mas a chuva foi diminuindo, a pista foi melhorando, um trilho foi se formando e os tempos foram caindo, e nesse festival de gerúndios Alonso, Pérez, Leclerc e Verstappen lideraram a folha de cronometragem em algum momento, com Max fechando de novo na frente com 1min40s655. Hamilton ficou em segundo — a Mercedes melhorou bastante, já tínhamos visto isso ontem.
Foram degolados Gasly, Bottas, Tsunoda, Ricciardo e Ocon. Novo vexame para o australiano da McLaren — Norris, seu companheiro, passou com a sexta posição. E mais um longo “oooooohhhhhh” pelas arquibancadas com Latifi se classificando em décimo.
A chuva não deu trégua no Q3, mas não era tão forte. Leclerc abriu os trabalhos fazendo 1min50s297, e de novo os tempos foram desabando na medida em que os pilotos encontravam as melhores trajetórias e seus pneus ganhavam temperatura. Zhou, Alonso, Sainz e Verstappen ocuparam a primeira posição até Max fazer uma volta em 1min41s055 depois de uma rodada que levou os torcedores ao delírio nas tribunas — os mesmos que, ao final da classificação, dedicariam algumas vaias ao holandês.
Apesar das condições traiçoeiras, foram raríssimas escapadas de pista, além dessa de Verstappen — que deu um giro de 360° e não perdeu a pose. No final, Leclerc e Russell chegaram a rodar, desperdiçando suas chances de melhorar os tempos. Max tirou o pé por causa de uma dessas rodadas, a de Leclerc, alertado por uma bandeira amarela. Possivelmente tenha perdido a pole por causa dela. Até rimou.
Mas Sainz não tinha nada com isso, fez uma volta correta — segundo ele mesmo, “nada de especial” — em 1min40s983 e bateu o tempo do líder do campeonato por meros 0s072. Leclerc ficou em terceiro, com Pérez em quarto. No fim das contas, os melhores na frente: Ferrari e Red Bull na primeira fila, Ferrari e Red Bull na segunda. Hamilton, Norris, Alonso, Russell, Zhou e Latifi fecharam a turma dos dez primeiros no grid.
Sainz, um sujeito contido, não saiu pulando em direção às arquibancadas, não atirou o capacete para a torcida, não se ajoelhou na frente do carro, não abraçou bandeirinhas, não se enrolou na bandeira da Espanha, não beijou o asfalto sagrado de Silverstone para comemorar a pole. Disse que ficou “surpreso” com o resultado e que tem ritmo para tentar ganhar amanhã.
Será interessante observar a Mercedes nessa prova, para entender quanto seu carro melhorou em relação ao desastre ambulante que começou a temporada. Algum tempo atrás, depois do GP da Espanha, escrevi em algum lugar — aqui ou no UOL, já não sei mais — que em algum momento deste ano seria com ela, a Mercedes, que a Red Bull teria de se preocupar, e não com a Ferrari. Não pela disputa do título, óbvio, que este está definido em favor de Verstappen. Mas na luta por vitórias aqui e ali.
Nigel Mansell, três vezes vencedor em Silverstone (1987, 1991 e 1992; ganhou também o GP da Inglaterra de 1986, mas em Brands Hatch), foi chamado para entregar o pneuzinho da pole que a Pirelli oferece como troféu aos pole-positions da F-1. Com um boné da Ferrari, equipe que defendeu em 1989 e 1990, fez festa para Sainz e lhe desejou boa sorte. Carlos vai precisar, e muita, para vencer pela primeira vez amanhã.
Acho muito difícil, pouco provável. Na verdade, sendo bem honesto, se conseguir será uma zebra gigantesca. Verstappen me deu a impressão de estar sobrando no circuito inglês e é o maior candidato à vitória. Se confirmar o favoritismo, será vaiado de novo pela torcida e, como hoje, dirá que não liga para isso — e não liga, mesmo.
SÃO PAULO (quero só ver…) – Já falaremos dos treinos de hoje para o GP da Inglaterra. Antes, questão prioritária. Vocês aí que querem trabalhar na F-1 um dia, nas fábricas, nas equipes, nos boxes, com um laptop debaixo do braço e uma credencial no peito estampada “engenheiro”, pensem bem.
Essa salada de números, letras e símbolos demoníacos acima é a equação que o diretor técnico da FIA Nikolas Tombazis, apresentou às equipes ontem para explicar como a entidade vai medir as oscilações aerodinâmicas dos carros a partir do GP da França, em Paul Ricard. Todos terão duas corridas, a de domingo em Silverstone e a da Áustria, para entender a nova Métrica de Oscilação Aerodinâmica, doravante chamada de AOM, sob o risco de terem seus carros desclassificados se não atenderem às exigências da entidade.
Tombazis explicou que o efeito “porpoising”, aquele dos carros saltitantes porque perdem pressão aerodinâmica sob o assoalho quando batem no chão, poderá ser enquadrado como “construção perigosa” dos automóveis. Comissários podem desclassificar um carro cuja construção é considerada perigosa. Tipo aquele que tem lâminas saindo das rodas para cortar os pneus dos adversários, emissores de fumaça preta na traseira ou tanques de óleo para jogar na pista fazendo os outros derraparem. Quem assistia aos desenhos do Speed Racer sabem do que estou falando.
As oscilações excessivas, de acordo com a FIA, causam dores de cabeças, lombalgia, perda de concentração, disfunção erétil e visão trêmula, e oferecem riscos aos distintos pilotos. Para o futuro, a entidade considera estabelecer novos parâmetros de construção para os carros. Neste momento, as equipes que se virem para mitigar o problema. “É obrigação dos times garantirem que seus carros sejam seguros”, diz a FIA.
A equação indecifrável para pobres mortais como este que vos escreve envolve parâmetros como comprimento da pista, aceleração vertical e tempo decorrido entre um ponto e outro de um circuito. Um acelerômetro instalado próximo ao centro de gravidade dos carros vai medir isso tudo. As equipes terão três “coringas” para usar em 2022: podem exceder esses parâmetros em menos de 20% dos limites em três GPs. Depois disso, guilhotina.
Curioso é que hoje, em Silverstone, não vimos “porpoising” em excesso, embora muitos pilotos tenham reclamado que seus carros estavam pulando demais. Mas pareceu que os quiques eram consequência mais da rigidez das suspensões e da altura dos carros do que, propriamente, do efeito aerodinâmico que tem causado dores de cabeça — literais — em muita gente neste ano.
A Mercedes é a mais afetada. Como quase todo mundo, levou para a Inglaterra algumas atualizações que, aparentemente, atenuaram o problema. Tanto que seus carros andaram bem. Hamilton, por exemplo, ficou em segundo na tabela, apenas 0s163 atrás do mais rápido do dia, o ferrarista Carlos Sainz. Para quem vinha levando mais de meio segundo por volta dos carros mais velozes da temporada, um alento.
A pista estava molhada no primeiro treino, que não serviu para muita coisa. Os pilotos andaram pouco, já que a previsão do tempo indicava sol e pista seca para a segunda sessão. E, de fato, a chuva foi embora rápido e o segundo treino livre aconteceu com um solzinho tímido de 19°C.
A sexta-feira mostrou uma Ferrari forte, uma Mercedes promissora, uma Red Bull discreta e algumas surpresas, para o bem e para o mal. A saber: McLaren lá em cima (com Norris, claro), AlphaTauri lá na rabeira, Alpine veloz com um carro (o de Alonso) e menos com o outro (de Ocon). Além da boa posição da Albon, da Williams, considerando o equipamento que tem em mãos.
A meteorologia aponta enorme possibilidade de chuva amanhã, e a classificação deverá ser realizada com pista molhada. Para o domingo, não há previsão de aguaceiro nenhum, mas sempre é bom colocar as barbas de molho porque é Inglaterra, sabem como é…
O começo dos trabalhos não foi muito esclarecedor pelo tempo limitado de pista. Mas deu para ver que a Mercedes está mais competitiva com seu novo pacote de atualizações — que começam na asa dianteira, passam pelos espelhos retrovisores, recortes do assoalho, geometria das suspensões, almofadas no banco, piercings de Hamilton e terminam nas asas traseiras — e parece ter encontrado um caminho para sair da lama em que começou o campeonato.
Fora da pista, as declarações de Piquet — agora ampliadas com traços de homofobia, levantadas pelo Grande Prêmio — continuam chegando ao paddock. Quem tem um mínimo de compromisso com a decência está se manifestando e saindo em defesa de Hamilton. O último peso-pesado que bateu forte no motorista de genocida foi Alonso. “A F-1 precisa se afastar dessas pessoas”, disse, em resumo.
Piquet virou um pária. É provável que nunca mais apareça num paddock. O recado que a categoria deu ao ex-piloto é claro: ele não é bem-vindo.
Hoje às 19h teremos um “Fórmula Gomes” lá no meu canal para falar de tudo isso, espero vocês!
O Tulio, nos comentários, mandou a incrível descoberta de um Cityrama Citroën 55, o famoso ônibus para turistas de Paris dos anos 60 e 70. Mas antes de ver o vídeo abaixo, assistam a este aqui para entender do que se trata.
Mais um “corte” da tal entrevista de novembro de 2021. Desta vez, levantada pelo Grande Prêmio — a original, tiraram do ar. Mais racismo, agora junto com homofobia. Piquet não tem defesa.
* Sei que estão esperando por um textão. Escreverei. Tudo no seu devido tempo. Por enquanto, se quiserem saber o que eu acho de tudo isso, tem dois vídeos lá no meu canal no YouTube.
SÃO PAULO (sei o que estou fazendo) – Sebastian Vettel gosta de carros antigos. Sebastian Vettel tem um Williams FW14B, que correu 13 das 16 provas de 1992 e foi campeão com Nigel Mansell. Sebastian Vettel vai dar umas voltas com o FW14B domingo em Silverstone. O capacete que Sebastian Vettel vai usar tem o grafismo de Nigel Mansell por baixo da sua pintura tradicional. O FW14B de Sebastian Vettel é “carbon free”, uma combustível que não polui. Sebastian Vettel é foda.
Gabriel Bortoleto passa a ser piloto oficial de Fórmula 1 amanhã com o início dos testes em Abu Dhabi pela Sauber. No programa de hoje vamos falar sobre o que os torcedores brasileiros devem espera...