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ONE COMMENT

Diferente de tudo, sem dúvida.

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ALFA ROMEO C42

SÃO PAULO (e fim) – O carro já tinha sido visto, já tinha andado (pouco), mas a Alfa Romeo fez apenas hoje a apresentação do C42 com a pintura que será usada nesta temporada. Talvez ninguém tenha reparado nas enormes grelhas sobre os sidepods com o carro camuflado, mas foram elas que chamaram mais a atenção hoje. Também ninguém deu muita bola para a Alfa Romeo porque o time teve muitos problemas nos primeiros três dias em Barcelona, completando apenas 175 voltas — só a Haas, com 160, ficou atrás; quem andou mais, a Ferrari, chegou a 439.

A pintura é muito bonita. Trocaram o logotipo exagerado na carenagem do motor pela inscrição Alfa Romeo numa tipologia inaugurada pela fábrica nos anos 20 do século passado. Um pouco mais abaixo está escrito Tonale, que vem a ser o modelo híbrido da marca italiana lançado recentemente. Mais elegante, sem dúvida. Assim como o tom dessa cor de vinho predominante. Para mim, eu que gosto de coisas minimalistas e dessa cor em especial, a pintura mais bem resolvida de 2022. Mas isso é muito subjetivo, claro.

O trevo de quatro folhas que também é uma marca registrada da Alfa aparece discretamente ao lado da entrada de ar superior. Nas fotos abaixo, as primeiras voltas na Espanha — os 100 km regulamentares para filmagens que a FIA permite, e que em parte haviam sido gastos em Fiorano num shakedown camuflado. Na asa traseira, a equipe colocou uns adesivos que segundo consta são de realidade aumentada. Suponho que se você apontar a câmera de seu celular para eles alguma coisa deve acontecer. Pode vir o cardápio de uma cantina, por exemplo. Sei lá. Não tive a curiosidade.

Bottas, Zhou e Kubica posaram para fotos com seus chiquérrimos macacões. Valtteri, depois de cinco anos como parceiro de Hamilton na Mercedes, disse que espera encontrar sua “melhor versão” na equipe nova, sem a pressão de andar junto do heptacampeão mundial. O chinês Zhou não é ruim, fez campanhas aceitáveis nas suas três temporadas de F-2 (20 pódios, sendo cinco vitórias), passou pela Academia da Ferrari e foi piloto de testes da Alpine no ano passado. A passagem por Maranello ajudou na sua contratação pela Alfa, já que são times parceiros. Kubica traz o patrocínio da Orlen, petrolífera polonesa.

A Alfa Romeo é a única equipe que trocou integralmente sua dupla de pilotos, com a aposentadoria de Kimi Raikkonen e a dispensa de Antonio Giovinazzi. Este foi para a Fórmula E, como se sabe. Virou piloto da fraca Dragon, companheiro do brasileiro Sérgio Sette Câmara. Está odiando. A situação da Haas depois do início da guerra entre Rússia e Ucrânia pode levá-lo de volta à F-1. É muito provável que o pai de Nikita Mazepin seja obrigado a rescindir o contrato de patrocínio que permitiu a seu filho correr na categoria. As sanções econômicas à Rússia e a empresas do país determinadas pelos EUA vão respingar na equipe, que corre sob bandeira americana e tem sede na Carolina do Norte.

Giovinazzi ainda é piloto contratado da Ferrari — tanto que apareceu nas fotos oficiais da apresentação da SF-75. A Haas usa motores e outras peças feitas pela escuderia italiana, com quem mantém acordos técnicos e comerciais. Num primeiro momento, o nome de Pietro Fittipaldi foi falado. Afinal, ele é o reserva da equipe e já disputou dois GPs, em 2020, no lugar de Romain Grosjean — que quase morreu num acidente no GP do Sakhir. Mas a Haas vai precisar de muito, muito dinheiro para suprir a saída provável do clã Mazepin. E essa grana terá de vir de algum lugar. Giovinazzi, pelas ligações com a Ferrari, parece ter mais condições de conseguir algo, ou mesmo de sentar no carro sem ter de pagar nada.

Creio que na próxima semana teremos alguma definição a esse respeito. O que me parece certo é que a Haas já terá outro piloto no lugar de Mazepin na segunda bateria de treinos da pré-temporada, de 10 a 12 de março no Bahrein. A não ser que o pai de Nikita encontre uma forma, digamos, alternativa de pagar pelo cockpit, sem inscrições de sua empresa de fertilizantes, a Uralkali, e fazendo com que o fluxo de dinheiro não passe pelo sistema bancário americano. Ou, quem sabe, arranjando uma empresa laranja, digamos, com sede no Panamá. Dá para resolver. Mas as lentes de aumento estarão voltadas para essas negociações, certamente.

O novo carro da Alfa Romeo se chama C42, e a gente explica todo ano sem problema algum porque é uma historinha muito bonita e não vou brincar com isso hoje porque não estou a fim. A equipe é operada pela Sauber, que continua existindo com esse nome na Suíça e desde 2016 pertence a um fundo de investimentos do país.

Para entender como funciona, quem detém a vaga no campeonato é a Sauber. Como empresa, ela é dona dos direitos de participação no Mundial. A Alfa Romeo contrata a Sauber para tocar a operação da F-1 e “aluga” os espaços no carro para divulgar sua marca. Se amanhã acaba o contrato e a sorveteria Rochinha decide investir na F-1, pode entrar em contato com a os donos da Sauber e fazer uma oferta para, quem sabe, montar a Rochinha Formula One Team. Foi o que fez Michael Andretti no ano passado, mas a negociação acabou dando errado na fase final, por divergências sobre quem faria o que na firma.

A Alfa, como “inquilina” da Sauber, poderia batizar seus carros como quisesse. Mas numa reverência a Peter Sauber, fundador da equipe, decidiu manter a linha adotada pelo vetusto helvético desde o primeiro carro que construiu, em 1970. Sauber era louco por corridas e começara a carreira, vejam só, disputando provas de subida de montanha com um Fusca. Quando estreou na F-1, em 1993, o carro da Sauber era o C12, porque antes dele o time fizera 11 modelos diferentes em outras categorias.

E o que é o C, afinal?

C é a primeira letra de Christiane, sua mulher, essa lindona da foto aí embaixo. E o carro mostrado hoje é o 42º de uma linhagem que começou há 52 anos, quando Peter desistiu de tocar os negócios da família para se meter com automobilismo. A família tinha uma empresa, vejam só, de semáforos de trânsito.

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NAS ASAS

SÃO PAULO (ah, não!) – As informações não foram confirmadas sequer pela Antonov, mas a boataria nos meios aeroviários dão conta de que o Antonov AN-225 foi destruído no aeroporto de Hostomel, a 40 km de Kiev. O Mriya (“sonho”, em ucraniano) é o maior e mais espetacular avião do mundo. Segundo a Ucrânia, ele foi atingido por bombardeios russos. Não há imagens conclusivas.

As versões sobre o fato ainda são muito desconexas, como sempre acontece em guerras. Uma delas, como esta aqui, dá conta de que o avião atingido num hangar foi o segundo exemplar, cuja construção nunca foi concluída. Só existe um AN-225 em operação no mundo.

Seguimos aguardando. Esse é o tipo de coisa que a gente só vai saber de verdade quando a guerra acabar e for possível ver o avião. Inteiro ou não.

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TESTING, TESTING (3)

Russell: segundo tempo geral com a Mercedes

SÃO PAULO (pra constar) – Meio tarde para falar do último dia de testes em Barcelona, né? Acho que sim. Dia longo, muita coisa para resolver, deixei para a derradeira hora da sexta-feira. Paciência. Mas pelo menos dá para escrever com calma.

Bem, comecemos com o resultado do dia: Hamilton em primeiro, fechando a semana com o melhor tempo da pré-temporada. Nada de excepcional, nenhum massacre na concorrência, mas sinal de vida da Mercedes. E podia ter sido um pouco mais rápido, abriu voltas que não foram concluídas com boas parciais, mas isso não vem ao caso. Todo mundo, entre os que importam, guardou alguma coisinha em Barcelona.

Vamos aos tempos agregados dos três dias. A informação pneumática é importante. A gama da Pirelli vai de C1, borracha mais dura, a C5, a mais mole e veloz. Como dá para perceber, a Red Bull não se preocupou em saber o que dava para fazer com os pneus mais aderentes. A Ferrari também não fez muita questão.

O melhor tempo na pré-temporada de 2020 em Barcelona (em 2021 os testes foram deslocados para o Bahrein) foi de Hamilton com 1min15s732. Hoje o inglês fechou sua volta mais rápida 3s055 acima do tempo de dois anos atrás. Mas segundo quase todo mundo das equipes na segunda metade do campeonato os tempos serão parecidos. Os carros nasceram mais lentos, mas seu desenvolvimento será rápido e há muita margem para melhorar.

No geral, quem deixou uma impressão mais positiva, inclusive na concorrência, foi a Ferrari. A equipe teve um desempenho sólido, consistente e muito confiável. Foi o time que completou mais voltas: 439 entre Leclerc e Sainz. Depois vieram Mercedes (393), McLaren (367), Red Bull (358), Williams (347), AlphaTauri (308), Aston Martin (296), Alpine (266), Alfa Romeo (175) e Haas (160).

Sainz e a Ferrari: bom começo

De tarde, molharam a pista para experimentar os pneus de chuva, mas nem todo mundo andou. Alguns com problemas técnicos, outros por desinteresse, mesmo. Aston Martin e Alpine encontraram algumas dificuldades pela manhã e o carro azul e rosa de Alonso chegou a ter um princípio de incêndio.

A Haas, como prometido, retirou todas as inscrições de sua patrocinadora russa e as cores da bandeira do país de Nikita Mazepin — que, no entanto, treinou normalmente. Günther Steiner, o chefe do time, foi questionado sobre uma possível substituição do piloto caso a Haas perca o patrocínio da empresa de seu pai, a Uralkali. Falou que Pietro Fittipaldi seria a primeira opção para o lugar, pois é o reserva oficial, já disputou dois GPs em 2020 (quando Grosjean sofreu o acidente no Bahrein) e conhece o time por dentro.

Mazepin na Haas: toda branca

Mas a situação, claro, não é tão simples assim. Sem o dinheiro da Rússia, a Haas vai ter dificuldades até para sobreviver. Alguém terá de vir em seu socorro, pois seria um vexame a F-1 começar a temporada com apenas nove equipes. O nome de Michael Andretti foi muito falado hoje no paddock. O ex-piloto tentou comprar a Sauber/Alfa Romeo no ano passado, não conseguiu, e há alguns dias tornou pública sua intenção de montar uma equipe própria, americana e com um piloto dos EUA — seria Colton Herta.

Se a Gene Haas perceber que não tem para onde correr — não vai querer bancar a operação do bolso, já tomou muito prejuízo nessa brincadeira –, é só dar um telefonema e oferecer a equipe prontinha para Michael. “Paga quando e como puder”, dirá. Andretti vai curtir a ideia. E ninguém vai se opor.

Ainda efeitos do conflito na Ucrânia: a F-1 anunciou o cancelamento do GP da Rússia, marcado para 25 de setembro, dizendo ser impossível correr lá “nas atuais circunstâncias”. Não ficou claro se o cancelamento é definitivo. Se as atuais circunstâncias forem outras em setembro, quem sabe… Mas pelo tom do comunicado e das reações da F-1 — toda ela baseada na Europa Ocidental e controlada por americanos –, dá para esquecer, sim, essa corrida. As feridas não cicatrizarão tão cedo. Malásia e Turquia são destinos possíveis para a data. Portugal também pode tentar, já que o GP da Rússia estava no calendário como etapa seguinte à de Monza, ainda na Europa. Quem pagar mais leva.

Pérez: Red Bull ainda discreta

Foi interessante, depois de três dias, ouvir dos pilotos o que eles acharam de seguir de perto os adversários com os novos carros, cujo conceito foi elaborado justamente para permitir que a turbulência gerada pelo carro da frente não fosse tão prejudicial à eficiência aerodinâmica de quem está atrás. Isso vai permitir que eles andem mais próximos, aumentando as possibilidades de ultrapassagens.

Quem descreveu melhor o que sentiu foi Sainz, da Ferrari. “Quando você está entre um e três segundos atrás, melhorou. Não se sente a perda de ‘downforce’ como antes. Entre meio e um segundo, o comportamento do carro é similar. Quando se está a menos de meio segundo do carro da frente, é bem melhor”, explicou. No geral, seus colegas concordaram. Ninguém reclamou muito dos novos carros, destacando apenas algumas características pontuais — como a visibilidade pior por causa das rodas de 18 polegadas com os pneus dianteiros cobertos por asinhas.

É tudo questão de se adaptar. Nada grave, resumindo.

Os carros agora voltam à pista de 10 a 12 de março no Bahrein, para mais três dias de pré-temporada. A impressão geral é que Mercedes e Red Bull devem se apresentar com muitas modificações em seus carros, e que a Ferrari, neste momento, está um pouquinho à frente na preparação para prova de abertura do Mundial no dia 20, lá mesmo no deserto de Sakhir.

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GIRA MONDO, GIRA

ALERTA DE FRUSTRAÇÃO ANTECIPADA: ao terminar de ler este texto, você não estará convencido de que Putin é o maior vilão do século 21, belicista empedernido e ditador com ambições imperiais. Também relutará em ver nos EUA e na OTAN os salvadores do mundo, defensores da democracia e da liberdade. Da mesma forma, talvez não encare a Ucrânia como vítima indefesa da insânia humana. Nem estará convencido do contrário, tampouco — que Putin é o mocinho, o Ocidente é o bandido, a Ucrânia é um país de párias que merece levar bomba, mesmo. O mundo é muito complicado. Em situações assim, não tem lado certo ou errado. Talvez, apenas, o lado de fora.

SÃO PAULO – Essa foto aí em cima deve ter sido tirada em 1979, no máximo no comecinho da década de 80. O registro foi feito no Canadá, onde o Lada Laika era vendido como Signet. A URSS tinha acabado de invadir o Afeganistão. Foi um dos momentos mais agudos da Guerra Fria. Na América do Norte, não é preciso dizer, qualquer um que tivesse alguma relação com os soviéticos, ainda que ela se limitasse à escolha de um automóvel, era tratado como inimigo da democracia e do mundo livre.

Ainda consigo rodar com os meus por aqui. Pelo menos isso.

Ah, um lembrete que cabe aos leitores mais assíduos deste espaço, antes de entrar no assunto de vez. A seção “Gira mondo”, eu tinha prometido, passaria a ser publicada todas as sextas. Não faz sentido estabelecer um dia da semana para ela. O mundo gira todos os dias. Assim, escreverei quando achar que devo. Agora vamos em frente.

Vladimir Putin tem sido tratado como o mais vil dos seres humanos (e a concorrência é pesada) depois que decidiu levar a cabo uma operação militar sobre a Ucrânia. A tentação de buscar compreender o mundo a partir de raciocínios binários — um lado é bom, portanto o outro é ruim e acabou — é grande, nos dias de hoje; simplificar as coisas, dividir o planeta em A e B, polarizar, pensar a realidade de modo maniqueísta e fugir de qualquer reflexão mais trabalhosa. As pessoas emburreceram. São cada vez menos capazes de enxergar nuances, admitir que entre o preto e o branco há muitos tons de cinza.

Para começo de conversa, Putin não é uma boa pessoa. É um autocrata machista, misógino, homofóbico, autoritário, pouco confiável. É difícil simpatizar com alguém assim. Mas não se deve pautar o entendimento do conflito na Ucrânia apenas pela simpatia ou antipatia por alguém. Sua figura detestável não o torna, automaticamente, o maior culpado por tudo que está acontecendo. E o que está acontecendo não é apenas um país enorme atacando outro menor, coitadinho. Tem muita história por trás.

A Ucrânia não é uma coitadinha. Ao contrário, é um país altamente militarizado de 45 milhões de habitantes que ocupa uma posição estratégica entre os antigos países da Cortina de Ferro e a Rússia, possui a maior extensão territorial da Europa (a Rússia tem parte de seu território na Ásia), é o terceiro maior produtor de grãos do mundo. Como país independente, tem meros 31 anos — já que é fruto da dissolução da URSS; era uma de suas repúblicas constituídas após a Revolução de 1917.

Quando a Alemanha foi reunificada e a URSS desmantelada, no começo dos anos 90, o Pacto de Varsóvia, aliança militar dos países que depois da Segunda Guerra passaram ao arco de influência soviética, foi extinto. Era o oposto da OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, capitaneada pelos EUA e seus aliados na Europa Ocidental. A existência das duas alianças militares, uma “comunista” e uma “capitalista”, conferia algum equilíbrio ao mundo, era uma espécie de garantia de que nenhum dos lados iria extinguir a espécie se acordasse de mau humor.

A OTAN, porém, não encerrou suas atividades. Longe disso: descumprindo acordos feitos com a Rússia esfacelada, decidiu aproveitar a brecha e expandir seus domínios para o antigo mundo comunista. Cooptou República Tcheca, Hungria, Polônia, Albânia, Bulgária, Croácia, Estônia, Lituânia, Letônia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Macedônia… Cercou a antiga URSS. Tentou a Geórgia, Putin reagiu. Opa, bebê, aqui não! Foi lá e botou ordem no quintal.

Depois do golpe de Estado que derrubou o presidente eleito Viktor Yanukovich em 2014, a OTAN resolveu aliciar a Ucrânia. O objetivo era claro e estava longe dessa coisa bonita de levar a democracia e as lojas da Starbucks para o mundo. O lance era mesmo controlar o abastecimento energético da Europa, que passa por território ucraniano — gás e petróleo russos, basicamente.

Yanukovich era um político pró-Rússia, derrubado depois de três meses de protestos nas principais cidades do país. Muito semelhante às jornadas de junho de 2013 no Brasil, o movimento foi chamado de Euromaidan. Parte dos ucranianos foi às ruas exigindo uma maior aproximação política e econômica com a União Europeia e o afastamento da Rússia. As manifestações, como aqui, foram usurpadas por uma extrema-direita ultranacionalista inspirada no pensamento de um certo Stepan Bandera.

Bandera foi um colaborador da Alemanha de Hitler na Segunda Guerra, quando os nazistas resolveram atacar a URSS rompendo o pacto de não-agressão assinado anos antes. Anticomunista ferrenho, pregava uma Ucrânia livre das garras de Moscou e alinhada aos alemães. Ajudou a montar tropas locais para combater o Exército Vermelho. Morreu em Munique em 1959 aos 50 anos, envenenado pela KGB.

O resultado da Euromaidan foi a ascensão ao poder de um governo francamente anti-Rússia e pró-Ocidente, liderado pelo magnata de mídia Petro Poroshenko — que estimulou a criação de milícias paramilitares formadas por neonazistas e neofascistas anticomunistas. Estas, por sua vez, sustentadas e armadas na surdina por potências estrangeiras interessadas em enfraquecer Putin. O célebre Batalhão Azov, cujos símbolos foram vistos à farta nas manifestações pró-Bolsonaro no ano passado, surge aí. E logo é incorporado pelo governo à Guarda Nacional do país. Sua primeira tarefa: combater os separatistas russos do leste da Ucrânia, nas províncias de Donetsk e Lugansk, região conhecida como Donbass. Suas regras: matar, torturar, estuprar, saquear e perseguir minorias. Antissemitas, homofóbicos e racistas, os integrantes do Batalhão Azov são a face mais deprimente da Ucrânia. Não por acaso, aqui no Brasil, simpatizantes do bolsonarismo costumam usar bandeirinhas ucranianas nos avatares que adotam nas redes sociais. Devem estar com seus dois neurônios em curto, agora. Bolsonaro não é amigo do Putin? Mas o Putin é inimigo da Ucrânia? Manhê, o que a gente faz? Que bandeirinha eu coloco ao lado do meu nome cheio de números?

Putin percebeu a cilada e resolveu retomar a Crimeia, no sul da Ucrânia, uma região de população majoritariamente russa que gozava de certa autonomia — porto importantíssimo “emprestado” pelo Kremlin à Ucrânia em 1954 e sede da Frota do Mar Negro, vital para os sistemas de defesa da Rússia. Foi rápido e eficiente, do ponto de vista militar. Depois cuidaria do Donbass. O que tentou fazer em 2015 com o Acordo de Minsk, que resumidamente pedia garantias de alguma soberania às províncias orientais de maioria russa e exigia um cessar-fogo por parte das forças ucranianas. O trato foi aprovado pela ONU e subscrito por França e Alemanha, com pompa e circunstância.

Mas o fato é que Kiev nunca respeitou o Acordo de Minsk. Claro que Putin não é santo. Ao perceber as intenções do governo ucraniano de desestabilizar o Donbass e perseguir a população russa com suas milícias neonazis, reagiu. E armou os rebeldes até os dentes. Essa guerra civil que já dura oito anos deixou, até agora, 14 mil cadáveres de saldo. É uma carnificina.

Em 2019, a Ucrânia elegeu um paspalho de nome Volodymyr Zelensky, ator e comediante, como presidente. Seria como se o Brasil, sei lá, escolhesse João Kleber para comandar a nação. Esse cara explodiu em popularidade no país representando, numa série de TV, um presidente idiota e bobalhão que se gabava, no entanto, de ser muito honesto. Qualquer semelhança com… Bom, deixa pra lá. O nosso não é ator nem comediante. O discurso que levou Zelensky à presidência foi o da antipolítica, o do cara que vem de fora do sistema, aquele que é “contra tudo que está aí” e que vai acabar com a mamata.

É um rematado imbecil. Continuou cagando para o Acordo de Minsk e ainda resolveu desrespeitar o Memorando de Budapeste de 1994, assinado para reduzir a capacidade nuclear da Ucrânia. O cara é chegado numas ogivas atômicas. E não faz nada contra os neonazistas que infestam o país, embora ele mesmo seja de origem judaica. A situação no Donbass saiu do controle. Putin deu sinais de que estava decidido a resolver a parada e começou a deslocar tropas para a fronteira. Zelensky se voltou choroso para a OTAN e para os EUA. Que enxergaram uma ótima oportunidade de enfiar o pé na maior das ex-repúblicas soviéticas. Putin ficou mais puto ainda. OTAN na Ucrânia é o caralho. E invadiu.

Como se vê, não tem santo nessa história. Os personagens são abomináveis. Todos. Incluindo os civilizadíssimos líderes europeus de países como Alemanha, França e Inglaterra, incapazes de bater de frente com os EUA — por sua vez comandados por um presidente que vem perdendo popularidade, é fraco e inseguro, e tem como único mérito o fato de ter derrotado o psicopata Donald Trump na última eleição.

Putin tem seus motivos para estar puto com a Ucrânia e com o Ocidente? Um monte. Isso faz dele um líder justo e admirável? Não, nunca, jamais. Mas é preciso se despir de conceitos muito arraigados e sólidos no chamado mundo livre, construídos à base de muita propaganda, filme de cinema e série de TV, para perceber que o outro lado também não é conduzido por virtuosas intenções de justiça, bondade, fraternidade e união entre os povos. Os EUA, nos últimos anos, invadiram Iraque, Síria e Afeganistão. E invadiram mesmo, com tropas, bombas, aviões e tanques, aproveitando o ensejo para alimentar sua abastada indústria bélica à base de destruição e morte. Indústria esta que precisa de uma guerrinha de vez em quando para girar a roda da economia, como não? Quando isso aconteceu, não se viu, pelos lados de cá, nenhuma reação indignada e histérica. Afinal eram os americanos, xerifes do mundo, sorridentes e superiores, guardiões da paz e da prosperidade, contra esses bárbaros de barba e turbante que vivem explodindo prédios e ônibus de turistas.

Putin pode ser um grande filho da puta. Mas não é o único.

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FOTO DO DIA

Hungaroring, 1992. Maravilhosa.

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TESTING, TESTING (2)

SÃO PAULO (falaremos mais) – Está aí a notícia mais importante do dia na F-1. A Haas, que na prática é bancada por Dmitry Mazepin, milionário russo que colocou seu filho para correr e patrocina o time através de sua empresa, a Uralkali, vai andar toda branca amanhã em Barcelona. Sem marca de patrocinador. Sem cores da bandeira russa.

A Uralkali vende fertilizantes venenosos para países desgraçados do Terceiro Mundo. Oficialmente, o estrume nacional ambulante com prisão de ventre esteve na Rússia alguns dias atrás para tratar do assunto — fertilizantes — e tirar uma foto com Putin, para poder colocar nos stories do Instagram, no Facebook, no Twitter e nos seus grupos do Telegram. Declarou-se “solidário à Rússia”. Depois foi a Budapeste para fazer selfie com Orbán e chamou a Hungria de “pequeno país”. Por óbvio, não sabia o que estava falando quando esteve em Moscou, nem tem a mais remota ideia sobre a situação na Ucrânia. Disse qualquer coisa porque é isso que sabe fazer: espalhar merda.

Bem, a Haas não foi solidária à Rússia e inclusive excluiu a patrocinadora do nome oficial da equipe. Nikita Mazepin vai treinar normalmente amanhã. Mas não se sabe o que acontecerá com a Haas diante das sanções impostas pelos EUA aos russos e a quem faz negócios com eles — a questão do conflito na ex-URSS será tratado aqui mais tarde, às 19h, no meu canal no YouTube e num “Gira mondo” que escreverei mais tarde. O piloto, claro, corre risco de ser despachado de volta para os Urais. Se a equipe tiver de rescindir seu contrato de patrocínio, o menino roda — ele é muito ruim, inclusive, e não fará falta nenhuma à F-1. Há um terceiro piloto com crachá do time, o brasileiro Pietro Fittipaldi. Mas ninguém deve esperar que ele seja elevado à condição de titular automaticamente no caso de Mazepin perder o lugar. A Haas precisa de dinheiro. O dinheiro de Nikita, este Fittipaldi não tem.

Günther Steiner, chefe da equipe americana, foi retirado das entrevistas coletivas de hoje, ao final do segundo dia da pré-temporada na Catalunha. Mazepin também não falou. A F-1 vai discutir se o GP de Sochi permanecerá no calendário diante da guerra iminente. A prova está marcada para 25 de setembro. Se for excluída, a candidata natural a substituí-la é a Malásia. Vettel foi o único a falar claramente sobre o assunto hoje. Disse que se tiver corrida no balneário de Putin, não vai.

A foto abaixo talvez seja a última de um carro da Haas com patrocínio e cores da Rússia. Funcionários do time já estão retirando a marca de todo o material do time, incluindo os adesivos dos caminhões.

Na pista, foi dia de Leclerc fazer o melhor tempo: 1min19s689, acima da marca obtida por Norris ontem — 1min19s568. A diferença é que Charlinho registrou sua melhor volta com pneus médios, contra os macios do inglês da McLaren no primeiro dia. Gasly foi o segundo colocado com a AlphaTauri, 0s229 atrás do monegasco da Ferrari. Foi quem mais andou hoje entre os 16 pilotos que treinaram: 146 voltas.

Na Mercedes, o dia não foi dos melhores. Pela manhã, Hamilton teve problemas em sensores de aquisição de dados, andou pouco e acabou o dia em último. Seu companheiro Russell falou que, pelo que viu até agora, Ferrari e McLaren estão “muito, muito competitivas” e seu time, neste momento, está atrás da concorrência. A Red Bull também enfrentou algumas dificuldades com o câmbio de Sergio Pérez.

O dia marcou a estreia oficial do chinês Guakyu Zhou na Alfa Romeo (foto abaixo). O primeiro chinês a correr na categoria falou que o carro da F-1 de 2022 é “diferente de tudo” que já pilotou na vida. Fez o décimo tempo, depois de 71 voltas.

Chamou a atenção uma imagem da Ferrari “ondulando” na reta, efeito chamado de “porpoising”, algo como o movimento de um boto nadando. Foi atribuído a uma anomalia do efeito-solo, quando a passagem do ar é interrompida rapidamente por baixo do carro e ele perde pressão aerodinâmica por alguns instantes e dá a impressão de saltar no asfalto. De acordo com Mattia Binotto, chefe da equipe italiana, será algo fácil de resolver. Veremos.

A primeira bateria de testes da pré-temporada termina amanhã na Espanha. Depois, as equipes voltam à pista entre os dias 10 e 12 de março no Bahrein, onde começa o Mundial no dia 20. Até lá, os olhos do mundo estarão voltados para outra corrida. A da insanidade humana.

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