QUARENTA

SÃO PAULO (é…) – Aquele domingo, 8 de agosto de 1971, não seria particularmente quente, nem frio. O jornal do dia avisava que o dia começaria nublado, mas ficaria claro no decorrer do período, embora sujeito a chuvas ocasionais. A temperatura estaria agradável, sem grandes declínios.

Era o segundo domingo do mês, portanto Dia dos Pais. Morávamos no Jardim Prudência, então uma região remota da cidade, nas bordas da Zona Sul, entre o aeroporto de Congonhas e o autódromo de Interlagos. Meu pai tinha acabado de comprar uma casa na rua Bolívia (já mudou de nome, nem procurem no Google) num conjunto erguido pela Formaespaço, uma construtora modernosa que adotou o concreto aparente como marca registrada e fez também alguns prédios interessantíssimos em São Paulo.

É bem provável que tenhamos almoçado na casa de meus avós, na Vila Mariana, onde normalmente se reuniam aos domingos tios, tias, sobrinhos, genros e noras. Os almoços não começavam tarde, e lá pelas duas horas estava todo mundo de pança cheia, as mulheres reunidas na cozinha passando um café, as crianças brincando no quintal, o vô cuidando dos passarinhos, o tio Renato dormindo no sofá, e meu pai deve ter tido a ideia de ir ao Pacaembu.

Era a primeira rodada do primeiro Campeonato Nacional, que começara no dia anterior com uma goleada do Grêmio sobre o São Paulo no Morumbi, 3 a 0. Eu tinha 7 anos de idade e, que me lembre, gostava de futebol desde o ano anterior, quando a seleção desfilou pela 23 de Maio com a Jules Rimet sobre um caminhão de bombeiros, e meu pai nos levou para o viaduto para saudar os tricampeões, e eu estava com uma camisa canarinho com o escudo da CBD preso ao peito por colchetes, que tinha usado durante a Copa.

Fomos ao Pacaembu. Jogariam Portuguesa e Palmeiras. Meu pai torce para a Portuguesa desde sempre. Filho de portugueses, foi um hábil e veloz ponta-direita que chegou ao time de aspirantes conhecido como Julinho, pois tinha um estilo parecido com o de Julinho Botelho, o melhor ponta que o Brasil já teve depois de Garrincha. Aquele que entrou vaiado no Maracanã e saiu aplaudido pela torcida carioca num jogo sei lá quando. Na verdade, Julinho era melhor que Garrincha.

É provável que tenhamos ido de Variant bordô, mas é possível, também, que àquela altura meu pai já tivesse vendido o carro para ajudar a pagar a casa. Como minha mãe tinha tirado carteira de motorista, ele teve de comprar um Fusca branco, também, e a Variant foi trocada por um Aero Willys cinza mais barato. Disso não vou lembrar, o carro que nos levou ao Pacaembu. Sei que fomos eu, meu pai, meu irmão mais velho, que tinha 9 anos, e meu avô que não ligava para futebol, gostava mesmo era de pintassilgos e papa-capins e de jogar nos cavalos, já que trabalhava no Jóquei, e de jogar baralho e de fumar Continental sem filtro.

Deve ter sido algo meio de última hora, aquele evento ludopédico. Talvez se não fosse Dia dos Pais, o programa fosse outro. Passar a tarde na casa da vó esperando o dia acabar, assistir à estreia do dominical de Flávio Cavalcanti na Tupi, quem sabe ir ao autocine Snob’s na avenida Santo Amaro. Meu pai poderia, igualmente, levar minha mãe ao Astor para ver “Love Story”. Estava em cartaz, também, “Hair” no Teatro Aquarius, mas isso não era muito o estilo dos meus pais. Jô e Zeloni estavam levando “Tudo no Escuro” no Cacilda Becker, na Brigadeiro, e seria uma boa opção para algumas gargalhadas num fim de domingo. Mas não era o caso. Largar os três moleques na casa da vó seria sacanagem com ela.

Assim, fomos ao Pacaembu. Era um bom jogo, a Portuguesa de Orlando, um goleiro negão, Arenghi, Dárcio, Calegari e Fogueira; Dirceu e Lorico; Ratinho, depois Xaxá, Cabinho, depois Tatá, Basílio e Piau. O Palmeiras de Leão; Eurico, Luís Pereira, Nélson e Dé; Dudu e Ademir da Guia; Edu, depois Paulo Borges, Leivinha, depois Hector Silva, César e Pio.

Éramos quatro dos 25.967 pagantes que foram ao Pacaembu naquela tarde de domingo de tempo bom e temperatura agradável, e ficamos no Tobogã, uma aberração arquitetônica erguida atrás do gol no lugar da Concha Acústica por determinação do prefeito Paulo Maluf. O Palmeiras ganhou de 1 a 0, gol de César Maluco aos 38 minutos do primeiro tempo. O juiz, Dulcídio Wanderley Boschillia, deve ter roubado, certamente roubou.

Saí do estádio apaixonado pela Portuguesa, encantado com aqueles torcedores colocados à direita dos meus olhinhos azuis no meio da arquibancada, com suas bandeiras vermelhas e verdes, cercados por palmeirenses por todos os lados, e posso afirmar que não houve influência nenhuma do meu pai, tanto que meu irmão decidiu naquele dia torcer pelo Palmeiras. De modo que assumi a Portuguesa como meu time para todo o sempre, e ponto final.

Não sei o que teria sido de mim se em vez do jogo tivéssemos ido ao salão da Paróquia Santíssimo, na Tutoia, a poucos metros da sede do DOI-Codi, para ver, no mesmo horário, Nydia Lícia e sua “Viagem ao País das Fábulas”, mas, sendo sincero, ir ao teatro não fazia parte da nossa rotina. Uma pizza no Paulino, de noite, combinava mais com as parcas finanças da família classe média, pai, mãe, três filhos pequenos, dois deles estudando na Escola Municipal Dona Chiquinha Rodrigues, ali no Campo Belo, perto do aeroporto e do hipermercado Jumbo, o mais novo ainda no pré-primário. Eram tempos duros, de escassas extravagâncias.

Talvez se em vez do Pacaembu o destino fosse o salão da Paróquia Santíssimo, eu me apaixonasse por teatro e pelas fábulas, ou talvez, ao anoitecer, na saída da peça, tivéssemos cruzado com uma viatura da Oban deixando a delegacia ali do lado da igreja, e o delegado Fleury implicasse com o Fusca ou com o Aero Willys ou com a Variant, naqueles anos ninguém sabia direito o que podia acontecer, e  são esses pequenos fatos que determinam o que vai ser da sua vida.

No meu caso, exatamente 40 anos atrás, eu passei a gostar de futebol e da Portuguesa, e o futebol e a Portuguesa me levaram a querer ser jornalista e trabalhar com esporte, e aí virei o que sou.

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ENCHE O TANQUE

SÃO PAULO (aí da gosto) – A cidade é Cuneo, no Piemonte, Itália. Lá no cantinho superior esquerdo da Bota, quase na França. Eugen Cohen mandou a dica. Coisa linda, arquitetura de primeiríssima. Como seria legal se a boa arquitetura fosse aplicada em tudo.

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BRANDINI CONVIDA

SÃO PAULO (boa pedida) – Coloquem na agenda: sábado que vem, no reduto dos Brandini, os chevetteiros (e passateiros) da Classic Cup. Todo mundo convidado.

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GUERRA FRIA

SÃO PAULO (semana longa) – Bom dia, macacada. Arma secreta da DDR só agora revelada, graças ao blogueiro Oscar Mello. O cara fez um tanque de guerra sobre uma plataforma de Trabant!

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QUARENTA

pacaSÃO PAULO (é…) – Aquele domingo, 8 de agosto de 1971, não seria particularmente quente, nem frio. O jornal do dia avisava que o dia começaria nublado, mas ficaria claro no decorrer do período, embora sujeito a chuvas ocasionais. A temperatura estaria agradável, sem grandes declínios.

Era o segundo domingo do mês, portanto Dia dos Pais. Morávamos no Jardim Prudência, então uma região remota da cidade, nas bordas da Zona Sul, entre o aeroporto de Congonhas e o autódromo de Interlagos. Meu pai tinha acabado de comprar uma casa na rua Bolívia (já mudou de nome, nem procurem no Google) num conjunto erguido pela Formaespaço, uma construtora modernosa que adotou o concreto aparente como marca registrada e fez também alguns prédios interessantíssimos em São Paulo.

É bem provável que tenhamos almoçado na casa de meus avós, na Vila Mariana, onde normalmente se reuniam aos domingos tios, tias, sobrinhos, genros e noras. Os almoços não começavam tarde, e lá pelas duas horas estava todo mundo de pança cheia, as mulheres reunidas na cozinha passando um café, as crianças brincando no quintal, o vô cuidando dos passarinhos, o tio Renato dormindo no sofá, e meu pai deve ter tido a ideia de ir ao Pacaembu.

Era a primeira rodada do primeiro Campeonato Nacional, que começara no dia anterior com uma goleada do Grêmio sobre o São Paulo no Morumbi, 3 a 0. Eu tinha 7 anos de idade e, que me lembre, gostava de futebol desde o ano anterior, quando a seleção desfilou pela 23 de Maio com a Jules Rimet sobre um caminhão de bombeiros, e meu pai nos levou para o viaduto para saudar os tricampeões, e eu estava com uma camisa canarinho com o escudo da CBD preso ao peito por colchetes, que tinha usado durante a Copa.

Fomos ao Pacaembu. Jogariam Portuguesa e Palmeiras. Meu pai torce para a Portuguesa desde sempre. Filho de portugueses, foi um hábil e veloz ponta-direita que chegou ao time de aspirantes conhecido como Julinho, pois tinha um estilo parecido com o de Julinho Botelho, o melhor ponta que o Brasil já teve depois de Garrincha. Aquele que entrou vaiado no Maracanã e saiu aplaudido pela torcida carioca num jogo sei lá quando. Na verdade, Julinho era melhor que Garrincha.

É provável que tenhamos ido de Variant bordô, mas é possível, também, que àquela altura meu pai já tivesse vendido o carro para ajudar a pagar a casa. Como minha mãe tinha tirado carteira de motorista, ele teve de comprar um Fusca branco, também, e a Variant foi trocada por um Aero Willys cinza mais barato. Disso não vou lembrar, o carro que nos levou ao Pacaembu. Sei que fomos eu, meu pai, meu irmão mais velho, que tinha 9 anos, e meu avô que não ligava para futebol, gostava mesmo era de pintassilgos e papa-capins e de jogar nos cavalos, já que trabalhava no Jóquei, e de jogar baralho e de fumar Continental sem filtro.

Deve ter sido algo meio de última hora, aquele evento ludopédico. Talvez se não fosse Dia dos Pais, o programa fosse outro. Passar a tarde na casa da vó esperando o dia acabar, assistir à estreia do dominical de Flávio Cavalcanti na Tupi, quem sabe ir ao autocine Snob’s na avenida Santo Amaro. Meu pai poderia, igualmente, levar minha mãe ao Astor para ver “Love Story”. Estava em cartaz, também, “Hair” no Teatro Aquarius, mas isso não era muito o estilo dos meus pais. Jô e Zeloni estavam levando “Tudo no Escuro” no Cacilda Becker, na Brigadeiro, e seria uma boa opção para algumas gargalhadas num fim de domingo. Mas não era o caso. Largar os três moleques na casa da vó seria sacanagem com ela.

Assim, fomos ao Pacaembu. Era um bom jogo, a Portuguesa de Orlando, um goleiro negão, Arenghi, Dárcio, Calegari e Fogueira; Dirceu e Lorico; Ratinho, depois Xaxá, Cabinho, depois Tatá, Basílio e Piau. O Palmeiras de Leão; Eurico, Luís Pereira, Nélson e Dé; Dudu e Ademir da Guia; Edu, depois Paulo Borges, Leivinha, depois Hector Silva, César e Pio.

Éramos quatro dos 25.967 pagantes que foram ao Pacaembu naquela tarde de domingo de tempo bom e temperatura agradável, e ficamos no Tobogã, uma aberração arquitetônica erguida atrás do gol no lugar da Concha Acústica por determinação do prefeito Paulo Maluf. O Palmeiras ganhou de 1 a 0, gol de César Maluco aos 38 minutos do primeiro tempo. O juiz, Dulcídio Wanderley Boschillia, deve ter roubado, certamente roubou.

Saí do estádio apaixonado pela Portuguesa, encantado com aqueles torcedores colocados à direita dos meus olhinhos azuis no meio da arquibancada, com suas bandeiras vermelhas e verdes, cercados por palmeirenses por todos os lados, e posso afirmar que não houve influência nenhuma do meu pai, tanto que meu irmão decidiu naquele dia torcer pelo Palmeiras. De modo que assumi a Portuguesa como meu time para todo o sempre, e ponto final.

Não sei o que teria sido de mim se em vez do jogo tivéssemos ido ao salão da Paróquia Santíssimo, na Tutoia, a poucos metros da sede do DOI-Codi, para ver, no mesmo horário, Nydia Lícia e sua “Viagem ao País das Fábulas”, mas, sendo sincero, ir ao teatro não fazia parte da nossa rotina. Uma pizza no Paulino, de noite, combinava mais com as parcas finanças da família classe média, pai, mãe, três filhos pequenos, dois deles estudando na Escola Municipal Dona Chiquinha Rodrigues, ali no Campo Belo, perto do aeroporto e do hipermercado Jumbo, o mais novo ainda no pré-primário. Eram tempos duros, de escassas extravagâncias.

Talvez se em vez do Pacaembu o destino fosse o salão da Paróquia Santíssimo, eu me apaixonasse por teatro e pelas fábulas, ou talvez, ao anoitecer, na saída da peça, tivéssemos cruzado com uma viatura da Oban deixando a delegacia ali do lado da igreja, e o delegado Fleury implicasse com o Fusca ou com o Aero Willys ou com a Variant, naqueles anos ninguém sabia direito o que podia acontecer, e  são esses pequenos fatos que determinam o que vai ser da sua vida.

No meu caso, exatamente 40 anos atrás, eu passei a gostar de futebol e da Portuguesa, e o futebol e a Portuguesa me levaram a querer ser jornalista e trabalhar com esporte, e aí virei o que sou.

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CAMILHÃO

SÃO PAULO (sol, sol, sol!) – E deu Thiago Camilo agora cedo na Corrida do Milhão. Villeneuve foi o 18°. Nada demais, nem de menos. Thiago é um batalhador, legal que tenha ficado em suas mãos a bolada. Aliás, é o terceiro vencedor diferente nas três edições da prova de prêmio milionário. Prova que teve como grande destaque Max Wilson, terceiro colocado, tendo largado lá no fim do pelotão, em 30°.

E aí, fomos a Interlagos? Contem tudo aqui. Muita gente elogiou a corrida (vi pela TV e gostei), mas muitos estão reclamando da organização, do trânsito, dos ingressos, da polícia, dos flanelinhas e até de assaltos.

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22 DIAS

SÃO PAULO (onde estava isso?) – Graças ao blog do Rodrigo Mattar (e ao comendador Ceregatti, que me avisou rapidinho), talvez o vídeo mais legal de todos os tempos. Trata-se do teste de 50 mil km que a Willys fez com um Gordini para bater recordes mundiais de durabilidade em Interlagos, em 1964. Foram 22 dias rodando sem parar com os pilotos da equipe, liderados pelo inesquecível Luiz Antônio Greco. O Bird conta essa história divinamente. Mas melhor do que tudo é ver. Vale cada segundo.

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UM CARA LEGAL

SÃO PAULO (sempre achei) – Ontem, ou anteontem, fui maldoso ao dizer que Villeneuve viria a SP para fazer papel de bobo na Estoque. Coisa de gente mal-humorada. Jacques está se divertindo, e isso basta. O texto da Evelyn Guimarães hoje no Grande Prêmio mostra isso. E mostra um cara que não faz questão de ser diferente de ninguém.

E pensar que a primeira opção dos organizadores como convidado de honra da Corrida do Milhão era Bruno Senna. Que é um sujeito do bem, simpático, dedicado, mas que não tem o carisma do campeão mundial de 1997. Além do mais, seria uma babação de ovo para cima dele insuportável, por conta do jeito Globo de ver o mundo.

Villeneuve dificilmente vai ganhar o milhão. Mas, para ser bem brega, ganhou um milhão de amigos em Interlagos.

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SEGREDO REVELADO

SÃO PAULO (finalmente) – OK, vou confessar. Tenho raiva do Rubinho! É por isso que escrevo essas coisas, como a coluna de hoje (que é basicamente o texto do post um pouco mais abaixo). A verdade é que no final de 2005 eu é que deveria ter sido contratado pela BAR, que já estava vendida para a Honda. As imagens deste vídeo comprovam tudo. A foto aí embaixo também.

Se bem que eu deveria, mesmo, era ter raiva do Button. Acho que foi ele que me vetou. Ou porque ganhei a corrida, ou porque fiz chifrinho nele na foto. Mas precisa ver o vídeo até o fim pra entender.

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INVEJA MATA?

SÃO PAULO (se matar, morri) – O Jason Vôngoli, que eu já disse aqui tratar-se do melhor jornalista de automóveis do mundo, dirigiu em BH (sim, BH!) um Benz 1886. O primeiro carro do planeta. Não vou contar todos os detalhes. Estão lá no blog do Mestre Mahar.

Como sempre, texto impecável. E dá uma raiva! O cara ainda ganha para fazer essas coisas!

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