FERRARI SF-24: ESPERANDO HAMILTON

SÃO PAULO (carro bonito é o que ganha) – A apresentação foi brevíssima, um vídeo curto, aplausos, fotografias e carro na pista. A SF-24 — iniciais de Scuderia Ferrari e os óbvios numerais do ano — já andou em Fiorano, a pista de testes da equipe italiana. Todos sempre ficam muito curiosos para ver a Ferrari, um pouco pela paleta de cores associadas ao inconfundível vermelho, um pouco pelas palavras do time que, embora seja o maior vencedor da história da F-1, tem o estranho hábito de amargar filas enormes de títulos. Foi assim entre 1979 e 2000, quando Schumacher finalmente se sagrou campeão, tem sido agora, um jejum que vem desde 2008 entre os construtores — entre os pilotos, o último a levantar a taça foi Kimi Raikkonen em 2007.

Será um ano estranho, este de 2024. A grande notícia envolvendo a Ferrari ainda está sendo digerida desde o dia 1º, o anúncio da contratação de Lewis Hamilton a partir de 2025. Assim, será uma temporada de espera. Porque, sendo muito racional, não dá para apostar em milagres de uma hora para outra. No ano passado, o time italiano ganhou um mísero GP com Carlos Sainz em Singapura. Fez sete poles, é verdade, mas isso só contribuiu para reforçar a tese de que o carro era bom de classificação e ruim de corrida.

Algo que o corpo técnico de Maranello, claro, percebeu. Talvez por isso o chefe Frédéric Vasseur tenha dito hoje na apresentação que a SF-24 é “95% diferente” do modelo de 2023. De fato, batendo o olho se percebe uma mudança muito clara na parte traseira do carro, com o desenho da carenagem que cobre o motor bem distinto do conceito aerodinâmico adotado na última temporada. As justificativas são as de sempre envolvendo fluxos de ar, mas havia uma queixa mais específica de Charles Leclerc e Carlos Sainz em relação à falta de equilíbrio da viatura em freadas, com a frente mergulhando demais e dificultando a pilotagem. “Espero que seja mais fácil de guiar neste ano”, disse o monegasco.

Poucos dias antes do anúncio de Hamilton, Leclerc teve seu contrato estendido até 2029, de acordo com as informações da imprensa italiana. Sainz está tecnicamente desempregado para 2025 e terá um ano que, dependendo dos primeiros resultados, pode ser melancólico. É duro saber que foi preterido, ainda que em nome de uma jogada do tamanho de Lewis. Difícil se manter muito motivado nessa situação, ainda que seja um profissional sério e dedicado. Tenho dito há meses que ele deve ir para a Audi e acho que será mesmo o destino do espanhol liderar o projeto da montadora alemã, que comprou a Sauber, mas só estreia para valer em 2026.

A sombra de Hamilton estará colada nos boxes da Ferrari o ano todo e essa é a realidade. Que ninguém espere um súbito salto de qualidade que leve o time a bater rodas com Verstappen e a Red Bull. A briga vai ser com Mercedes e McLaren. Qualquer outro cenário será uma surpresa.

Mesmo assim, julguei importante falar com gente lá de dentro, ainda que o personagem em questão esteja afastado das grandes decisões há algum tempo. Me disse que daria uma entrevista, sim, desde que o anonimato fosse mantido. Nunca revelo fontes quando o sigilo é solicitado, e por isso vou chamar nosso entrevistado de “Badrice Wellarrived”, nome esquisito que nada quer dizer.

Olá, tudo bem?
Badrice Wellarrived –
Ciao.
Tchau? Mas nem começamos!
Badrice Wellarrived –
Eu não disse “tchau”, eu disse “ciao”.
Então OK, tchau. Obrigado pela entrevista.
Badrice Wellarrived –
Não, idiota! Eu não falei “tchau”, eu falei… Cazzo, esquece. Vamos logo a essa entrevista. Tenho muita coisa para dizer. Foram muitos anos em silêncio e chegou a hora.
Ótimo, então vamos começar pelo começo, afinal temos um novo carro na praça. Pelas fotos e pelas informações que você tem lá de dentro, o que dá para esperar da Ferrari neste ano?
Badrice Wellarrived –
O de sempre: nada.
Como assim, nada? Estão todos muito otimistas! O ambiente parece ótimo…
Badrice Wellarrived –
Ah, está perfeito. Um piloto e o chefe só se comunicam em francês e ninguém entende nada. O outro já foi demitido e hoje quando foi para a pista deram pra ele o carro do ano retrasado.
Não era o carro novo?
Badrice Wellarrived –
Não, só a pintura. Aliás, você viu, né?
O quê?
Badrice Wellarrived –
Os patrocinadores. Vocês da imprensa deveriam investigar algumas coisas.
Sim, vi o banco espanhol, a marca de óculos, Shell, cerveja italiana… Nada demais.
Badrice Wellarrived – Tinha cigarro?
Não, não pode mais cigarro.
Badrice Wellarrived –
Pois é, cigarro não pode. Mas pode plataforma de jogos eletrônicos para viciar as crianças, energético que envenena os jovens e empresa de espionagem financiada pela CIA.
Tem isso?
Badrice Wellarrived –
Não nasci ontem. Apareceram todos de última hora.
Bem, a Ferrari ganhou só cinco corridas nos últimos cinco anos…
Badrice Wellarrived –
…comigo foram 14 em quatro…
…OK, mas me deixe continuar. O novo chefe da equipe disse que por isso neste ano 95% do carro é novo…
Badrice Wellarrived – …e 5% vagabundo.
Me deixe concluir, por favor. Há toda uma expectativa pelos próximos anos com a chegada de Hamilton, a torcida muito animada…
Badrice Wellarrived – Não vai dar certo.
Por que não? Heptacampeão, ídolo mundial, maior vencedor de todos os tempos!
Badrice Wellarrived – Já está fazendo exigências.
Quais?
Badrice Wellarrived –
Nada de macarrão porque a massa leva ovos e ele diz que protege as galinhas. Nada de pizza porque muçarela vem do leite, leite vem da vaca e ele protege as vacas. Nada de carbonara porque tem guanciale e ele protege os porcos. Vão todos morrer de fome.
É só contratar um cozinheiro pra ele, isso é fácil de resolver.
Badrice Wellarrived –
Teto orçamentário. Não pode contratar mais ninguém.
Não tem ninguém disponível no mercado com salários razoáveis?
Badrice Wellarrived –
Talvez aquele cara engraçado da Netflix, mas não sei se ele sabe cozinhar.

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ASTON MARTIN AMR24: GANHA CORRIDA?

SÃO PAULO (acho que sim…) – Fernando Alonso e Lance Stroll não tiveram de esperar muito para dar umas voltas com o AMR24, modelo da Aston Martin mostrado hoje em Silverstone. Lá mesmo a equipe gastou sua cota de 100 km antes da pré-temporada para fazer imagens com o carro andando e garantir que tudo estava funcionando — é o que se chama de shakedown. Foi a primeira apresentação da semana, que tem ainda Ferrari amanhã, McLaren e Mercedes na quarta e Red Bull na quinta, fechando o lote das dez equipes que disputam o Mundial.

Nessas primeiras voltas ninguém se preocupa com tempos, evidente. Mais importante são as entrevistas antes, as declarações dos dirigentes e dos pilotos, a expectativa por alguma surpresa.

Não dá para dizer que todos tenham ficado boquiabertos com o carro novo, que leva no nome código as iniciais de Aston Martin Racing e o ano em disputa. A primeira olhada sempre mira na estética, mesmo: pintura, patrocínios, essas coisas mais visíveis a olho nu. Depois vêm os aspectos técnicos, reservados aos especialistas de plantão.

O AMR24 tem a assinatura de Dan Fallows, que a Aston Martin tirou da Red Bull em 2022. Dizem que ele era o segundão de Adrian Newey, com quem deve ter aprendido alguma coisa. E, de fato, o início de temporada da equipe no ano passado deu essa impressão: seis pódios nas primeiras oito corridas, com Alonso numa forma exuberante e a vice-liderança no Mundial de Construtores até a sexta etapa. Depois do GP da Áustria, porém, a maionese parece que desandou. Foram 175 pontos nas primeiras nove corridas — média de 19,4 por GP –, contra 105 nas últimas 13 — média de 8,1. No final, a equipe terminou o ano em quinto lugar.

E o que aconteceu? Nunca é uma coisa só. Primeiro, a ascensão da McLaren a partir da Áustria, com seu carro praticamente novo. Depois, o mau ano de Stroll. Ele marcou 74 pontos, contra 206 de Alonso. Por fim, os esforços concentrados na conclusão das novas instalações da fábrica, largando o desenvolvimento do carro de 2023 para pensar em 2024.

Alonso entrou na onda das especulações hoje ao dizer que seu contrato com a Aston Martin termina no final do ano e que é “o único campeão mundial disponível para 2025”. Claramente se referia à vaga aberta na Mercedes com a anunciada saída de Hamilton para a Ferrari. Aos 42 anos — faz 43 em julho –, o espanhol disse que antigamente ninguém esperava alguém competitivo na F-1 até os 40, mas que essa ideia nos dias de hoje deve ser deixada de lado. “Meus exames físicos mostraram que estou melhor do que nunca, e hoje não é nenhum absurdo pensar num piloto correndo na F-1 até os 48, 49, até 50”, falou. A foto de Toto Wolff com seu empresário Flavio Briatore, postada hoje (veja a nota anterior), jogou gasolina nessa fogueira.

Esse assunto, e outros, mereciam uma abordagem mais próxima, e no fim do dia na Inglaterra consegui contato telefônico com importante membro da equipe, que pediu anonimato para não se comprometer. Chamá-lo-ei de “Miguel Bomdebola”, de forma a atender sua solicitação. Segue a conversa.

Não sei bem se é meu olhar pouco atento, mas tudo me pareceu muito parecido com o ano passado…
Miguel Bomdebola – O cabelo, não. Olha o topete. E, se bobear, colocou até botox. Já falei que não precisa. Ele disse que é por causa de aerodinâmica.
Estou falando do carro. Você se refere a quem?
Miguel Bomdebola – Ao Alonso. Ele falou que as rugas causam turbulência.
Mas a viseira fica fechada, não há como isso afetar…
Miguel Bomdebola – …sim, sabemos, mas sabe como são esses tiozinhos da Sukita.
Sukita?
Miguel Bomdebola – Você sabe muito bem do que estou falando.
OK, vamos deixar essas questões estéticas de lado. Ano passado a equipe conseguiu oito pódios. Seis deles nas primeiras oito etapas do campeonato. Depois, perdeu rendimento. O que aconteceu?
Miguel Bomdebola – O menino disse que a partir dali os troféus teriam de ser divididos. Mesmo se o outro piloto conseguisse um pódio. Que não era justo ele ficar sem nada, porque sempre disseram que ganhamos juntos e perdemos juntos. Se ganhamos juntos, ele disse, quero troféu pra mim. Fernando disse que não ia entregar seus troféus para ele, mesmo sendo filho do chefe. E falou que se fosse para dividir, não ia mais ganhar nenhum.
Mas isso não causou um certo mal estar na equipe?
Miguel Bomdebola – Na equipe, não. Mas na família, sim. O pai tirou o videogame dele e falou que celular, só duas horas por dia. Aí o moleque ficou irritado e jogou o PlayStation no chão. O pai disse que não ia dar outro. Foi um momento delicado da temporada.
Só para deixar claro, você está se referindo ao Lance Stroll?
Miguel Bomdebola – Isso é você que está falando.
Bom, mas ele pelo menos mostrou força de vontade no começo do ano, correu com os punhos lesionados…
Miguel Bomdebola – Isso zangou mais ainda o pai. Porque ele não tinha autorizado o menino a andar de bicicleta sem rodinha. Tomou um tombo, vimos no que deu. Ele não tem idade pra isso, ainda.
Entendo. Bem, voltemos à equipe e às perspectivas para 2024. O que você pode falar sobre o carro?
Miguel Bomdebola – Que é verde.
Isso ficou bem claro. Mas deve ter alguma novidade técnica, algo na suspensão, nos difusores, endplates, sidepods em forma de letterboxes…
Miguel Bomdebola – Forma de quê?
Letterbox.
Miguel Bomdebola – O que é isso?
Sei lá, andei lendo por aí. Sidepods em forma de letterbox. Imaginei que você saberia o que é. Letterbox, caixa de cartas.
Miguel Bomdebola – E quem é que manda carta hoje em dia? Só se for o Alonso! Hahaha, desculpe, não resisti à piada.
Bem, já que tocou no assunto, hoje Toto Wolff foi visto tomando café com Flavio Briatore, que cuida da carreira de Alonso. Já estão dizendo por aí que ele vai para a Mercedes…
Miguel Bomdebola – Isso é bobagem. O que oferecemos ao Fernando para ficar quanto tempo quiser com a gente ninguém vai cobrir.
E o que foi?
Miguel Bomdebola – Um plano de saúde vitalício da Prevent Senior.

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FOTO DO DIA

SÃO PAULO (olha…) – Lewis Hamilton vai para a Ferrari. Toto Wolff diz que vai precisar ser “ousado” na substituição. Flavio Briatore é empresário de Fernando Alonso. Toto Wolff vai tomar café da manhã em Mônaco com Flavio Briatore. Foto é postada por Briatore no dia da apresentação do carro da Aston Martin. Alonso reforça que tem contrato com a equipe inglesa até o fim de 2024 e que ainda tem “alguns anos” pela frente. Vão juntando os pontos aí. Nessa F-1 de hoje, a gente pode pensar qualquer coisa.

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DICA DO DIA

SÃO PAULO (na dúvida…) – Mais uma do Billy Silver. Trata-se de raríssimo vídeo de um dos dois testes que a Williams fez em 1993 em Pembrey, País de Gales, com um câmbio CVT no FW15C — carro que seria campeão mundial naquele ano. O CVT (transmissão continuamente variável) exige uma correia para ligar as polias que aguente o tranco, e isso não seria fácil para arrastar um motor de quase 1.000 hp. Mas a equipe conseguiu, como se vê nas voltas de David Coulthard, jovenzinho de tudo, quase todas no molhado. O outro piloto que andou com esse carro foi Alain Menu. Há algumas imagens desse monstro andando em Silverstone, também.

O som do motor é incrível, sem marchas subindo ou descendo. Imaginaram o que isso significaria na F-1? A FIA, claro, sabia das intenções da Williams e da Renault. E antes que alguém resolvesse levar a ideia a sério, tratou de proibi-la. No pacote de vetos para 1994 vieram as proibições de suspensão ativa, freios ABS, controle de tração e outras traquinagens eletrônicas e — olha a palavra velha aí! — computadorizadas. Não acho que veremos câmbios CVT na F-1 um dia.

Mas o vídeo, esse tem de ver.

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BUS STOP

Busão da Joest levando o Porsche para Le Mans em 1984. Nossa mãe…

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VISA CASH APP RB VCARB 01: É APROXIMAÇÃO?

SÃO PAULO (talvez…) – Instalar-se na metade do pelotão é a ambição da antiga AlphaTauri em 2024.

(Já falamos detidamente sobre isso, o nome da equipe agora é Visa Cash App RB, sendo RB Racing Bulls. A questão do carro está resolvida. O modelo foi batizado como VCARB 01. Muita gente vai falar “ví-carb” para se referir a ele. “Eu estava saindo da curva e dei de cara com um ‘ví-carb'”, dirá alguém. Como não existe “ví” em inglês, capaz de grafarem “vee” na imprensa internacional. Mas dá no mesmo.

Deve-se reconhecer, porém, que ninguém se refere a um carro, na F-1, pelo nome código. Fosse assim, Verstappen mandaria no ano passado um “passei o W14 como se estivesse parado!”, ao que Hamilton retrucaria: “Também… Com um RB19 até eu!”. É, pensando bem, já não sei se vão chamar essa ronha de “ví-carb”. Talvez usem Visa, mesmo. “Um dos Visas rodou na minha frente, não tinha o que fazer…”, é algo que podemos esperar de Logan Sargeant, por exemplo. E se cair na graça da galera, ponto para a Visa.

De qualquer forma, vou esperar. Depois decidimos o que fazer. E neste texto, que chega com horas de atraso — o VCARB 01 foi apresentado em Las Vegas na madrugada de hoje pelo nosso horário, e eu estava dormindo –, vou me referir à equipe, jocosamente, como “É Aproximação?”, recorrendo a uma expressão que, segundo cálculos da Sociedade Brasileira das Maquininhas, é pronunciada 284 vezes por segundo no país.)

Instalar-se na metade do pelotão é a ambição da É Aproximação? em 2024. A equipe mudou tudo, rigorosamente tudo para este ano, exceção feita à dupla de pilotos. Seguem Daniel Ricciardo e Yuki Tsunoda, os mesmos que terminaram a temporada de 2023. O veterano australiano, no entanto, não começou o campeonato do ano passado. A vaga era de Nyck de Vries, que acabou demitido por falta de desempenho. Ricardão assumiu, bateu o carro na Holanda, quebrou a mão e só voltou no fim do ano.

A AlphaTauri, nome usado pela É Aproximação? nas últimas quatro temporadas, não foi bem em 2023. Terminou o Mundial em oitavo lugar com apenas 25 pontos. Mas teve um fim de ano alvissareiro. Vinte desses 25 pontos foram anotados nas últimas cinco etapas, a partir do GP dos EUA. Ao longo do campeonato, uma vigorosa reestruturação foi sendo feita na cúpula da organização, com a chegada de um novo CEO, Peter Bayer (ex-FIA), e um chefe de equipe oriundo da Ferrari, Laurent Mekies. E além da decisão de trocar o nome, condicionada pelo patrocínio de duas instituições financeiras, a Red Bull, dona do time, resolveu emprestar o que o regulamento permitir para a construção do carro. Fala-se em câmbio e suspensão dianteira idênticos aos da matriz. O motor é o mesmo, origem Honda, hoje chamado de RBPT.

Os quatro campeonatos sob a rubrica AlphaTauri foram muito distintos em desempenho: sétimo em 2020 com 107 pontos (e uma vitória espantosa de Gasly em Monza), sexto em 2021 com 142, nono em 2022 com 35 e oitavo no ano passado com 25, como já mencionado. Não é preciso ser nenhum bidu para notar que a maionese desandou depois de 2021. É essa queda que a É Aproximação? pretende estancar agora. E acho que consegue. A concorrência direta — Haas, Williams e Sauber; Alpine, talvez — não é das mais fortes. Dá para pensar em algo melhor.

A pintura leva tinta, o que é uma novidade em se tratando desta F-1 forjada na fibra de carbono. Na festa de apresentação em Las Vegas, a única que faz jus ao nome, o carro apareceu colorido de branco e azul, e, considerando a pobreza estética do que se viu até agora, dá para dizer até que ficou bonito.

Mas carro bonito é o que anda na frente, já dizia o outro, e por isso fui atrás de um veterano dirigente ligado à filial rubrotaurina para levantar detalhes desta nova fase da equipe. A entrevista está abaixo, mas não posso identificar meu interlocutor, a quem chamarei singelamente de “Chico Torrada”:

É débito ou crédito?
Chico Torrada
– Como?
Desculpe, não resisti. É uma expressão que usamos muito no Brasil quando vamos pagar algo com cartão. Mas todo mundo está usando Pix.
Chico Torrada – Pix?
É um sistema de pagamento que usamos no Brasil. Aqui também dá pra enviar dinheiro por Zap.
Chico Torrada – Zap?
Esquece, não é importante. Estamos aqui para falar sobre o novo carro. Você ficou tanto tempo na equipe, o que achou da mudança de nome?
Chico Torrada – Podia ser pior. Nu, por exemplo. Ou Mercado Livre. Ou Casas da Banha, Rei do Óleo, C&A…
…ou Havan, já pensou?
Chico Torrada – Havana?
Esquece, estava só divagando. Acho o nome esquisito, tenho certeza que o narrador aqui vai falar toda hora “passa o Visa na maquininha”…
Chico Torrada – Maquininha?
Deixa pra lá, estava só pensando alto… Sigamos. VCARB 01 é o nome do carro. Não sei como as pessoas vão chamá-lo.
Chico Torrada – Vão chamá-lo de VCARB 01, acredito.
Mas esse “carb” aí lembra carburador, sei lá…
Chico Torrada – Exato, carburador é uma parte importante do motor de qualquer automóvel.
Na Fórmula 1 não tem mais carburador faz tempo!
Chico Torrada – Não?
Não!
Chico Torrada – Você está falando besteira! E o Weber? Foi até nosso piloto!
Era Webber com dois bês, e ele corria na Red Bull, não na Toro Rosso, AlphaTauri, sei lá como você chamava a equipe!
Chico Torrada – Pra mim aquele compridão sempre foi especialista em carburador. Carb Weber.
Mark Webber!
Chico Torrada – Se vai ficar gritando comigo, encerramos esta entrevista agora mesmo.
OK, desculpe, vamos em frente. Houve uma reestruturação na equipe com dois novos chefes, o que está esperando desse novo comando?
Chico Torrada – Que sejam demitidos. Os resultados têm sido péssimos.
Mas o campeonato nem começou!
Chico Torrada – Não? Me falaram que o carro estava em Las Vegas e não andou nada. Em Las Vegas não tem corrida?
Tem, mas o carro não estava lá para correr, era só apresentação. Estavam lá os dirigentes, o Ricciardo, o Tsunoda…
Chico Torrada – Você está falando besteira, o Ricciardo é da Renault e o Tsunoda é um engenheiro da Honda divorciado que larga o filho nos boxes e o moleque fica correndo pra lá e pra cá o tempo todo.
Não! Ricciardo já saiu da Renault, já foi para a McLaren, já ficou um ano parado e depois voltou pra Red Bull, que colocou ele na AlphaTau…, quer dizer, nessa MasterCard aí!
Chico Torrada – Visa. Você anda confundindo as coisas. Por isso não trabalha mais em lugar nenhum.
E Tsunoda é PILOTO e já correu três temporadas! E estou trabalhando!
Chico Torrada – Olha, preciso desligar. Mas vou te dar uma dica. Vamos colocar pra correr um menino aí, um espanhol. O nome dele é Fernando. Esse vai ser bom. Agora tenho uma reunião com Giancarlo. A gente vai ter de tomar uma decisão difícil e liberar o Pierluigi. Eu adoro ele, mas não dá mais.

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FOTO(S) DO DIA

A apresentação do novo carro da AlphaTauri, agora Visa Cash App RB, que ainda não sei como chamar, será às 3h da madrugada. Amanhã falamos dele. Fiquem com os macacões dos pilotos. Está de bom tamanho.

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DICA DO DIA

Em dezembro de 1993, Bernard Dudot, da Renault, e a dupla Patrick Head e Adrian Newey, da Williams, foram dar umas voltas no FW15C em Paul Ricard. Belo achado do Billy Silver!

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ALPINE A524: INCOLOR, INODORA E INSÍPIDA

SÃO PAULO (e sem gelo) – A piadinha de azul e rosa da infeliz da goiabeira já devo ter feito, e não será repetida. A questão da nomenclatura, se bem me lembro, vem do projeto de F-1 da Renault lá dos anos 70. Foi quando a montadora pediu à Alpine e à Gordini (as divisões esportivas da marca, bem resumidamente) para fazer um monoposto que seria usado nos testes dos motores turbo que os franceses introduziriam na categoria. O carro foi batizado de A500. A série foi ressuscitada em 2021, com a mudança do nome da equipe, de Renault para Alpine. Ao A500 acrescentou-se o ano em questão.

Assim, A524 é o nome desse automóvel aí em cima, mostrado hoje em Enstone, onde fica a fábrica da equipe na Inglaterra. Outra turma trabalha na França, nos motores. É o quarto carro novo apresentado neste ano — Haas, Williams e Sauber foram os outros.

Enstone é onde ficava a Benetton. Perto de Oxford, Birmingham, Silverstone e da maioria das outras fábricas de equipes de F-1. Um vilarejo de mil e poucas almas, se tanto. Mas isso não importa. Temos de falar do carro que será pilotado por Pierre Gasly e Esteban Ocon neste ano. Ambos têm contratos com o time francês até o fim desta temporada. Eu diria que, se pudessem escolher, estariam em outras equipes. Principalmente porque as portas pelas quais entraram na categoria não ficavam exatamente em Enstone. Gasly era queridinho da Red Bull. Chegou lá, foi rebaixado para a Toro Rosso/AlphaTauri, e acabou tomando outro rumo diante do desinteresse de seus antigos empregadores. Ocon era boyzinho da Mercedes, mas a longevidade de Hamilton e a paixão dos alemães por Russell acabaram fazendo com que, como Gasly, precisasse alterar a rota. Acabaram juntos na Alpine.

Gasly e Ocon não se bicam, mas esse é o menor dos problemas da equipe. A Alpine adotou esse nome em 2021. Vinha de um quinto lugar em 2020, o último do time como Renault, tendo marcado 181 pontos em 17 corridas — foi no ano da pandemia, de calendário mais curto. Aí, na primeira temporada de azul, com Alonso a bordo, repetiu-se o quinto posto, mas com 155 pontos. Teve até vitória, na Hungria. De Ocon. Em 2022, a Alpine fez um bom campeonato, quando se olha a posição final: quarta colocada, atrás apenas da campeã Red Bull, da vice Ferrari e da Mercedes. Mas muito, muito longe na tabela. Foram 173 pontos, contra 515 do time alemão, que penou com um carro horrível e marcou três vezes mais pontos que os franceses.

Ano passado, a Alpine caiu na real. Terminou o Mundial em sexto, sendo superada pelas três maiores e por McLaren e Aston Martin. Anotou apenas 120 pontos, sem ser ameaçada por quem vinha atrás, mas sem fazer nem cócegas em quem estava à frente. Um desempenho pífio, que levou os executivos da Renault a demitirem no meio do ano o chefe Otmar Szafnauer, que havia chegado no início de 2022. Nisso, revezamento de chefia, a Renault lembra muito o Corinthians: troca, troca, e ninguém dá certo.

O carro apresentado hoje, como os que já vieram à luz, tem enormes áreas sem pintura, na já batizada cor preto-fibra-de-carbono. O restante é a cascata de sempre. O diretor técnico, cujo nome não guardei, falou que do ano passado só sobrou o volante. É a típica frase de efeito que os mais ingênuos engolem. Seja como for, dá para apostar sem medo de errar que em 2024 a Alpine será a mesma coadjuvante apagada de 2023. A Renault não investe muito no time, os pilotos são mal amados e mal humorados, o motor é considerado o mais fraco da F-1 (nenhuma outra equipe usa suas unidades de potência) e a única boa notícia dos últimos tempos foi a injeção de 200 milhões de euros feita em outubro do ano passado por um fundo de investimento que comprou 24% das ações da equipe. Fazem parte desse fundo uma turma de atletas (jogadores de futebol, golfe, beisebol, futebol americano e até gente do boxe e do beisebol) e um punhado de atores cuja filmografia, confesso, desconheço.

O patrocínio mais importante segue sendo da BWT, uma firma austríaca que fabrica filtros para água — concorrente da Salus e da São João, segundo meu entendimento. Não fiquei particularmente impressionado com o carro e com as informações oficiais fornecidas no lançamento, por isso recorri a um antigo amigo que trabalhava em Viry-Châtillon, que identificarei apenas como “Francisco Rogério”. Hoje ele vende HB20 e Creta. Se alguém precisar de um seminovo — é a área que ele atende — é só falar comigo que passo o contato. Também é sócio de um estúdio de tatuagem.

Você acompanhou o lançamento hoje pela internet?
Francisco Rogério
– Não. Estava atendendo um cliente que devolveu o carro porque achou o motor muito fraco. Eu disse: queria o quê? Vem aqui comprar carrinho 1.0, esperava um Mustang? Falou que ia comprar um Kwid. Botei pra correr. Mas depois liguei pro pessoal da fábrica e eles me contaram tudo. O clima está tenso. O sindicato dos pintores montou uma barricada na porta por causa da demissão do pessoal.
Qual pessoal?
Francisco Rogério
– Se é o sindicato dos pintores, qual pessoal seria? Os padeiros que fazem croissant? A turma que pinta o carro, é óbvio. Não tem mais tinta, setor de pintura, estufa, nada.
Foram demitidos?
Francisco Rogério
– Todos. Ficou só um rapaz que aplica adesivos, o pior que tínhamos. Não consegue colar uma letra sem deixar bolhas. Também, com aquele salário de fome… Antes, pelo menos, tínhamos o gerente de alfinetes, que comandava o pessoal que furava as bolhas e consertava o que os aplicadores faziam. Eles respondiam para nosso diretor de espátulas plásticas, que tinha uma equipe ótima para fazer o acabamento na colocação dos adesivos, junto com o departamento de flanelas e polimento. Mandaram todo mundo embora, eram 139 funcionários, fora os temporários. Um desastre.
Tudo isso para colocar adesivos? Parecia uma estrutura, um pouco… inchada, não?
Francisco Rogério – Lá vem… Mais um liberalzinho para querer dizer como devemos gastar nosso dinheiro. Por isso saí. Quer dizer, saíram comigo. Tínhamos o estritamente necessário para o funcionamento de uma equipe. Sei de cabeça meu quadro de funcionários! Eram 32 padeiros, 14 chefs de cozinha – SÓ QUATORZE –, 85 instaladores de papel de parede, seis – SÓ SEIS – enólogos, 27 lavadores de janelas, 94 gráficos, 41 garçons, oito manicures, 62 colocadores de carpete, 24 jardineiros, quatro engenheiros, sendo um hidráulico, um técnico em informática e dois estagiários. E dois crupiês, fora os pilotos.
Crupiês?
Francisco Rogério
– Esses só trabalhavam em Mônaco, mas eram CLT. Acho que vão precisar mais alguns, com essa corrida de Las Vegas.
Não seria o caso de enxugar esse quadro funcional e investir mais em pessoal técnico?
Francisco Rogério
– Pra quê? No meu último ano o carro só melhorou quando uma manicure deu uma sugestão lá, usando um secador de cabelos da mãe dela, que tinha um salão. Por isso mandei o projetista chefe embora e contratei o rapaz da hidráulica.
Para cuidar dos sistemas do carro como câmbio, freio, recuperação de energia, suponho…
Francisco Rogério
– Não, do vazamento do banheiro da minha sala, mesmo. Arrumou, mas um mês depois começou a pingar de novo. Mas aí eu saí, não sei o que fizeram com ele. Devem ter mandado embora, também, eles demitem todo mundo. Esses executivos acham que F-1 se faz com meia dúzia de gatos pingados.
Bem, falemos do novo carro. A equipe disse que, do modelo do ano passado, sobrou só o volante…
Francisco Rogério – (interrompendo) …que não é do ano passado, é mentira! O volante que a gente vinha usando era do carro do Jabouille. Pelo menos quando eu estava lá. “Reduza os custos!”, me pediram. Fui no museu, arranquei o volante do carro do Jabouille e estávamos usando. Sem problema algum. Agora ficam com essa conversinha para a imprensa. Acham que enganam quem?
Na questão aerodinâmica, receio que a falta de um projetista chefe traga alguns problemas. Ou não é assim, graças a uma equipe bem preparada?
Francisco Rogério – Meu caro, essa turma da aerodinâmica só fala a mesma coisa. É fluxo de ar pra lá, fluxo de ar pra cá, aluguel de túnel de vento, downforce… Um dia me irritei, levantei da mesa, peguei um extintor de incêndio e espirrei o fluxo na cara de todo mundo! É fluxo de ar que vocês querem! Toma! Não aguentava mais aquela conversa!
E o que aconteceu?
Francisco Rogério – Me mandaram embora.

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