SAMURAIS
SÃO PAULO (muita história) – Hoje foi um dia interessante. Os samurais aí da foto são da NHK, emissora japonesa. Da esquerda para a direita, Sasaki-san (cuidando do áudio), Carlos Fujinaga (o único brasileiro do grupo, atuando como tradutor), Shibuya-san (diretor da bagaça, cara importante) e Miyagawa-san (comandando a câmera). Eles estão aqui produzindo um documentário sobre Ayrton Senna, que faria 55 anos em março. Em 1° de maio serão 21 anos da morte do piloto e parece que o programa vai ao ar nessa época. Não sei direito.
Quando me procuraram, há algumas semanas, eu disse que não era o melhor cara do mundo para falar sobre o Senna e fazer as pessoas chorarem. Conheço bem o Japão e os japoneses, e sua devoção a Ayrton — quando ele morreu, meus colegas da Fuji TV mal conseguiram dar a notícia, muito emocionados e comovidos. Imaginei que estavam atrás de quem referendasse a aura de heroísmo que atribuem ao brasileiro. OK, acho legítimo e compreensível, mas não estou nesse time.
O Fujinaga ficou claramente cabreiro com meu discurso frio e calculista, mas disse que ligaria de novo. Ia consultar o diretor. Ligou logo depois, e perguntou se eu poderia pelo menos falar sobre o momento da F-1 em 1994, a mudança do regulamento, a sucessão de Senna, a trajetória de Barrichello, coisas técnicas, dados históricos, contextualizar a bagaça, se é que me entendem.
Claro, meu amigo. É só marcar e gravar.
A entrevista, agora à tarde (eles chegaram quatro segundos atrasados), durou duas horas. Os episódios de 1994 ainda estão muito frescos na minha memória, talvez pelo fato de que quase todo ano tenho de falar deles — sempre rola um aniversário, seja de Senna, seja de sua morte. Não me importo de contar o que vi e vivi. É parte da minha história e da História, com H maiúsculo, já que se trata de uma das maiores tragédias esportivas de todos os tempos — o fim de semana todo de Imola, Ratzenberger incluído, claro.
E com a memória tão fresca e riqueza de detalhes, que as tenho, acabou que o diretor-san ficou impressionado e emocionado com meu depoimento, o que me deixou feliz. E tocado quando mostrei a ele minha credencial de 1994, que resta pendurada num quadro de cortiça aqui atrás, ao lado de todas as outras destes anos todos de F-1. Nunca fiquei tão perto da História, disse ele, segurando com zelo e reverência o cartãozinho plástico nas mãos como se estivesse diante do Santo Graal. Notei que o cordão laranja está meio encardido e fiquei até com um pouco de vergonha de não tratar da História como ela merece.
No final, dei a eles de presente dois exemplares do meu livro, que tinha aqui, e é pena que eles não leem português, porque nele está “Imola, 1994”, o único texto que escrevi sobre o que se passou naquela primavera italiana. Não é nada demais, são apenas algumas linhas rabiscadas nove meses depois do 1° de maio, F2Nh8irpaFQ" target="_blank">afinal vi tudo aquilo de perto, sei o que aconteceu, lembro de cada passo que dei, por onde passei, com quem falei, como reagi, cada palavra que enviei ao jornal.
Antes de ir embora, o diretor-san perguntou se eu tinha alguma foto minha daquela época. Expliquei — não precisava, mas me pareceu importante dar alguma explicação — que naqueles tempos ninguém tinha celular com câmera, ninguém andava com uma máquina digital debaixo do braço, mas sim, eu tinha, pouquíssima coisa — sei de cor: eu e o Alex Ruffo na quarta-feira pegando a credencial, do lado do meu Fiat Punto cor-de-vinho, clicados pelo Lemyr Martins; o mecânico lavando rodas atrás do motorhome da Simtek no sábado, depois da morte de Ratzenberger; o muro da Tamburello com as marcas da batida, foto que eu tirei na segunda-feira. Dei a ele mais algumas fotos minhas, Silverstone em 1991 (a única que tenho ao lado de Ayrton, numa coletiva no motorhome da McLaren), Canadá e Donington em 1993, Suzuka em 2000 na sala de imprensa e em 1997 pendurado para entrevistar Villeneuve e, horas mais tarde, enchendo a cara no karaokê com Barrichello, Paul Stewart e outros colegas, uma da “Folha” em 1988, uma na fábrica da Ferrari em 1993, Bahrein em 2004, kart com Rubinho em 1993, comemorando gol da seleção com Massa em 2002, entrevistando Pedro Paulo Diniz em 1996, no cockpit do carro de Prost no museu da Williams em 1997. Era quase tudo que eu tinha de uma carreira registrada de um modo errático e pouco preocupado com a posteridade.
É que fazíamos menos fotos e vivíamos mais.
* Tive de arrancar a galeria de fotos porque ficou tudo torto. Estamos tentando resolver. Por enquanto, ficam só a da Simtek, a do credenciamento e a da Tamburello.
Lances assim, de reconhecimento, dão orgulho em qualquer trabalhador. Legal!
Oh Fujinaga, pegou trampo bom hein? Eu é que queria ter feito esse já que sou um ardoroso de F1. E do Flávio Gomes. Abração.
Off-topic, mas já que vi o link para as “Colunas Warm Up”, pergunto:
Gomes, onde posso encontrar as antigas colunas do Edgar Mello Filho?
Não foram arquivadas, infelizmente. Nas mudanças de portais e servidores, sumiram.
Que pena. Aquiles textos foram inesquecivelmente engraçados. Nenhuma chance de que ele próprio tenha arquivado o que escreveu?
Tomando o lance das batatas por referência, os sans são menos impontuais que os trens-bala de seu país.
Antes de me chamarem de doido, comprem o livro do Gomes.
Foi nessa Imola 1994 que Gomes conheceu a médica quarentona do necrotério!
Como?
Coisas surrealistas, realmente impossíveis de se pensar nos dias de hoje se resumem na primeira foto.
Um Fiat Tipo que não pegou fogo, motorhome da Simtek e mecânico sem roupa de astronauta.
E o que dizer do orçamento da campeã do ano, Benetton, com 14 milhões de dólares ?
Punto.
Flavio, falo da foto que tem o mecânico e motorhome da Simtek. Aquilo é um Fiat Tipo branco.
É um Tipo branco.
Flavio, onde posso comprar seu livro?
http://www.estantevirtual.com.br
Flávio é um excelente jornalista. Os japoneses são feras em tudo o que fazem. Não reconstruíram um país em ruínas a toa.
Será grande a reportagem.
E Ayrton é grande por dois motivos: Era o Brasil que dava certo em uma época em que tudo por aqui dava errado, politicamente e no esporte. E morreu ao vivo na frente de milhões de telespectadores, isso foi impactante.
Fiquei preocupado quando disse que chegaram 4 segundos atrasados, vieram de carro com unidade de força Honda?
Os caras da Fuji TV que deram a notícia da morte do Ayrton estavam em frangalhos, caramba, sabia que gostavam dele lá, mas não tanto.
Não sei se você é ou não o mais ou menos indicado para falar de Senna.
Só sei que o seu texto “Ímola, 1994” é um dos registros jornalísticos mais tocantes já produzidos sobre aquele fim de semana.
O que mais me chamou atenção na foto dos simpáticos japoneses é aquela “pasta” dos Simpsons. Invejei!
Aluma as pôlas das fotos! Senão a polada vai comê!
Oi FG,
Muito legal.
O Fujinaga é um grande amigo e uma pessoa da mais alta estirpe,
Abraços
Harry
Sempre vai ser uma manhã estranha…tarde estranha…dia estranho. Não escondo que minha preferência sempre foi o Piquet. Mas não posso dizer que algumas corridas do Senna não me emocionaram muito. Japão 88 por exemplo. Continuo assistindo corridas de Fórmula 1 até hoje. Antes pautava minhas horas de vida das manhãs de domingo pela corrida. Hoje assisto as corridas se realmente estiver em casa. A morte de Senna foi marco de um fim…de um período…de uma era. Sempre vou achar que, a partir de momento, acabou a época do “romantismo” e dos pilotos que eram maiores que suas máquinas. Hoje demoro pra lembrar quem é o segundo piloto da Red Bull…antes eu citava o grid inteiro. Parafraseando Flávio Gomes…depois daquele acidente…a porra ficou séria.
* Eu trabalhava em São Paulo nesta época. O cortejo passou em frente da loja que eu trabalhava. Palmeirense que sou…eu estava naquele Morumbi que te emocionou…e gritei o nome do Senna…porque foi arrepiante e emocionante mesmo. Chegamos quase à hora do jogo começar…pois ficamos acompanhando as notícias. Eu comprava todos os jornais que se referiam a F1 no dia seguinte de corridas. Eram páginas e páginas. Não lembro de ter lido nada que trouxesse boas lembranças. Mas já vi você rememorar este dia de tempos em tempos. Foi uma pena que não pode escrever naquele dia…porque sinto emoção ao ler atrelado ao fato jornalístico e presenciado por você até hoje. Porque foram tempo bons…
Claro que escrevi naquele dia. Consulte o acervo da “Folha”.
Achei…redefinindo memórias. Desde que li sua resposta embarquei no acervo e li quase tudo dos 3 dias subsequentes. É estranho…parece estar ali…alguns meses….não 21 anos. Obrigado sempre pelas leituras.
Deveria ter lembrando a esses japoneses que aqui mesmo no Brasil temos um outro tricampeão VIVO que inclusive foi campeão com motores Honda…
Mas, deixa quieto. São japoneses.
Ah! E deveria ter indicado o Galvão Bueno! Esse sim é o “mais indicado para falar de Senna e fazer alguém chorar”.
Hahahaha
Mesmo não sendo o mais indicado, sempre me emociono quando leio seus comentarios sobre o que aconteceu naquele fim de semana, talvez voce seja a pessoa quem melhor relatou tudo aquilo no planeta. Senna emociona por ser sempre acima da media, para quem entende de automobilismo, e emociona tambem pelo fato de nostalgia em uma epoca simples onde tudo que era maravilhoso não se custava tanto e não era tao complexo. Parabens pelos textos. Otimas fotos.
Os japoneses são tão pirados no Senna, que vão traduzir seu livro. Eu tenho o livro e curti bastante a leitura.
PS. Flávio, e a McLaren não iria mudar de cor após os testes? Acho que depois de tantos problemas esqueceram disso né?
Não deves ter vergonha do cordão encardido. Os próprios japoneses nunca lavam suas faixas de judô. Elas acabam não apenas encardidas, mas também gastas com o tempo. Isso é sinal de honra para eles, por praticarem uma arte há tanto tempo.
Não deves ter vergonha do cordão encardido. Os próprios japoneses nunca lavam suas faixas de judô. Elas ficam não só encardidas, como gastas com o tempo. Isso é sinal de honra para eles, por praticarem uma arte há muitos anos.
“Tamburello, 2 de maio de 1994”
A frase do ano: menos fazíamos menos fotos e vivíamos mais.
+life.
-selfies.
Flávio, quando você dá essas entrevistas para documentários/reportagens especiais você corre atrás para ver depois como ficou? Se acabaram pegando sua entrevista e mudando o contexto de alguma afirmação numa eventual edição? Ou você encara como mais uma entrevista e acaba nem vendo como ficou?
Não vejo nunca.
4 segundos atrasados? Absurdo, já não se fazem japoneses como antigamente.
Um abraço.
Os japoneses ele continuam fazendo do mesmo jeito, Moacyr ;)D
A educação é que deu uma pioradinha, né?
De fato. No Japão, se você chega na hora, chegou tarde. Tem que chegar sempre antes.
A história viva…
Às vezes me pego imaginando como seria estar lá naquele final de semana…
O nome Ayrton Senna provoca reações fortes sempre que mencionado.
Para aqueles que acham que os brasileiros sofreram lavagem cerebral da RGT, fica a mensagem: os japoneses não assistiam à transmissão pela Rede Globo…
Há uns três anos, num momento de vazio durante o treino na Hungria, uma câmera mostrou uma placa dessas que marcam o pontos de freada, e lá estava “Senna VV”, os dois vês entrelaçados como o emblema da Volkswagen, que é como os italianos saúdam seus ídolos, significa “viva’. No caso, “Senna vive”.
Senna não era meu ídolo – muito pelo contrário! Dividi a pista com ele nos tempos do kart, e sabia quem ele era longe das câmeras. Não era mau, só era frio e rude.
Mas era um baita piloto!
E naquele 2 de maio,eu estava indo pro trabalho pela Rodovia dos Trabalhadores (oh santo Orwell!) em direção ao aeroporto quando passou seu cortejo do outro lado do rio.
Instintivamente, todos os carros pararam para vê-lo passar sobre o carro de bombeiro.
E ali, naquele momento, comecei a tocar o “pam-pam-pam” com a buzina, a saudá-lo. E outros motoristas também buzinaram aquela entrada da musiquinha que ele fez tocar tantas vezes.
E depois que o carro vermelho sumiu além da curva, voltamos todos a andar em direção aos nossos destinos, que a vida continua. Sempre.
Muito bacana .
Senna era um piloto mediano. Gênio é Vettel…. Aliás, Kvyat já conseguiu fazer o que Vettel não fez. Andar na frente do Ricciardo. Se Verstapen guiou bem os fáceis novos carros, Kvyat deu show no Brasil em 2013 com os difíceis carros de difusor soprado… Enquanto isso, Vettel roda guiando os carros fáceis desse ano. Não entendo mais nada.
“Gênio é Vettel…”
Até a duplicata do Vicellez sabe disso.
Eles o procuraram porque sabem que você conhece como poucos sobre o assunto. Não sei, mas, eu acredito que de tanto o povo ficar falando que o Senna foi um herói, não assisto mais corridas depois que ele morreu……..e outras coisas, por isso que você fala que não é a pessoa mais indicada a falar sobre Senna, não porque você não goste dele ou porque ache que foi um mau piloto, muito pelo contrário, é simplesmente por causa da maioria que o idolatra das pessoas e se você fizesse o mesmo sendo esta pessoa que é importante sobre o assunto a coisa seria ainda pior.
Olha, você sabe separar muito bem o piloto do produto Senna, e ao contrário do que pensa emociona muita gente quando fala dele. Eu sempre me emociono quando leio seus textos e relatos sobre ele, e acredito que muitos outros também. Talvez o nefasta influência dos pachecos, das viúvas, da Globo e do Galvão não deixe você perceber que deve se emocionar um pouco também.
parabéns pelo profissionalismo, mas eu adorava o senna, e o considero um idolo eterno.
Interessante, qdo vc diz que não era a pessoa mais indicada para falar de Senna e fazer as pessoas chorarem…fiquei pensando isso. Como as pessoas agem de formas tão diferentes quando o assunto é Senna. Assim como vc me lembro de cada detalhe daquele 1º de maio. Fui no velório em São Paulo, moro em Curitiba, acompanhei o cortejo por alguns metros e senti muito mesmo do alto dos meus 20 anos (ohhh). Hj com 40 claro que vejo as coisas de maneira muito diferente. Não suporto as viúvas, mas tbem não gosto fazem comentários maldosos.
A reação dos japoneses mostram um grande respeito por Senna e tudo o que ele representou para o esporte e isso deve ser sim preservado, para que esse esporte maldito que é a F1 nunca saia de nossas vidas.
Parabéns pelo profissionalismo.
Apesar de os japoneses serem de um pachequismo à Galvão Bueno quando se trata de Ayrton Senna, eles sempre são muito competentes no que fazem, então tenho certeza que esse documentário ficará muito bom. Espero que tenhamos oportunidade de ver.
Amargo. Não sabe respeitar a preferência do próximo, comportamento típico de organizadas. Senna e Piquet foram os últimos esportistas com culhão nesse país e serão eternamente ídolos mesmo após suas mortes.
Deve ser da geração Mauro Todynho Pereira.
Foi até paciente demais com a secretária da redação, que vida ingrata essa de jornalista (de verdade), igual a vc e outros poucos. Essa história é sempre tocante, desde que não envolvam a Globo.
Você, feliz proprietário de um Gurgel, hoje é dia do Gurgel !\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Falando em livro, finalmente achei um exemplar a venda (no mercadolivre) … está a caminho de casa. Imagino que lançar uma nova edição seja trabalhoso mas não existe a possibilidade de vendê-lo na versão eletrônica (e-book) ?
Sobre as fotos…
Pergunta inquietante 1: Seria um óvni na Foto 14 ? (Eu adorava usar calças bag)
Pergunta inquietante 2: Tingia os cabelos lá pro final dos anos 90 ?
As melhores histórias sobre o que ocorreu em Ímola só fui saber mesmo, quase 20 anos depois, quando eu pude ler em seu blog. Os Japas são espertos e saberão aproveitar isso.