BON VOYAGE (4)
LONDRINA (agora, Interlagos) – Meu Voyage tem quatro pequenos furos na tampa do porta-malas. E duas entradas circulares tapadas com chapa. Nos furos, um dia, sabe-se lá quando, um aerofólio foi fixado. Nas entradas, hoje fechadas, havia válvulas para reabastecimento. Meu Voyage, um dia, sabe-se lá quando, disputou corridas de longa duração. Mil Milhas, talvez? Quando? Quem?
Ele foi encontrado no início do ano nos fundos de uma oficina. O dono precisava desocupar o imóvel, passou em frente à nossa oficina, viu uns carros de corrida, parou, conversou com o Nenê Finotti, meu chefe de equipe, e falou dele. Nenê foi lá, viu, gostou e trouxe para casa.
Um dia apareci na oficina, nem sei o que fui fazer, porque tinha parado de correr, e ele me apresentou ao Voyage. Vamos fazer, falou. Relutei. Fiquei alguns minutos olhando para o pequeno sedã, então pintado de azul e branco, vi o santantônio montado com esmero, o tanque de combustível grande que insinuava uma vida passada nas pistas em longas e difíceis provas, os faróis tímidos — Volkswagens são carros tímidos –, as pequenas rodas de aro 13, dei a volta nele, olhei a traseira, as discretas lanternas dos anos 80, e ainda relutando, falei: OK, vamos fazer.
Desde então, abril, vi o carro pouquíssimas vezes. Duas ou três, não mais. A última em agosto, talvez? Três, quatro meses sem aparecer na oficina, às voltas com milhares de outras coisas desimportantes, o Nenê me informando de vez em quando do andamento das coisas, a gente tinha combinado de estreá-lo em Londrina, até onde eu sabia ia dar tempo e o cronograma que meu chefe estabeleceu, sem nem me dizer qual era, vinha sendo cumprido à risca.
Fui conhecer meu novo carro de corrida, de verdade, ontem de manhã. Eu teria um treino livre no início da tarde e uma sessão de classificação algumas horas depois. A pintura, na verdade a “envelopada”, ficou bonita. Gostei. Vermelho, amarelo, branco, um carro alegre.
Não sei se ele me reconheceu quando cheguei ao autódromo. Nossos encontros anteriores haviam sido breves e pouco intensos, dificilmente acharia que aquele cara que passou duas ou três vezes na oficina seria seu parceiro algum dia. Na última visita, cheguei a sentar no banco que tinha comprado para marcar a posição ideal para minhas pernas e braços curtos de piloto meio-metro. Foi o contato mais íntimo que tivemos.
Por isso, talvez, o Voyage que um dia teve aerofólio traseiro e bocais de tanque de gasolina na tampa do porta-malas não deve ter ficado nem um pouco impressionado com aquele cara que, agora ele lembrava, passou duas ou três vezes na oficina nos últimos sete meses e agora estava sentado atrás do volante “quatro bolas” (o novo não ficou pronto) com uma capa de carro dobrada no assento e nas costas para alcançar direito os pedais.
Foram 11 voltas, um tempo medíocre na casa de 1min40s, mas 11 voltas tranquilas, sem sobressaltos, rodadas, ou escapadas assustadoras, apenas uma passada pela grama numa freada mal calculada, e assim ele voltou aos boxes intacto, e ao final trocamos poucas palavras, valeu, boa, até já. Me perguntaram o que achei, respondi apenas “gostei, é neutro, não sai de frente, nem de traseira”.
Poucas horas depois, o cara estranho de pernas curtas voltou, sentou no banco com a capa no assento e nas costas e foi para a classificação, e quando voltou tinha baixado dois segundos, e quando eu soube desses dois segundos, ainda dentro do carro funcionando, dei um murro no volante e disse, puta que pariu, boa, caralho, e nesse momento tenho a impressão que o Voyage envelopado com cores alegres sorriu pela primeira vez no fim de semana.
Caiu o mundo de madrugada em Londrina e a primeira corrida de hoje, pela manhã, foi com chuva. Estávamos em 18º no grid. Gosto de andar na chuva, ainda mais com tração dianteira e pouca potência — meu motor é 1.6 e usamos carburador mini-progressivo, que é divertido, mas não assusta os picas da frente com seus Weber monstruosos.
Éramos 2o no grid, embora 25 tivessem participado da classificação — alguns quebraram, outros desistiram por causa da chuva forte. Largamos bem, quatro ou cinco posições ganhas, duas ou três perdidas em poucas curvas, e minha única missão era andar perto de um Gol da mesma categoria, carro bem desenvolvido e pilotado por gente de gabarito (Rafinha na primeira bateria, Speto na segunda). E para minha surpresa, o Gol estava lá, ao alcance da nossa vista e das nossas freadas e retomadas, deixei até um Passat e uns Fuscas mais bem cotados para trás, o carrinho ia bem na chuva, e na sexta volta passei, passamos, caralho, e fomos abrindo, e a porra da corrida não acabava nunca, começava a secar, o Passat do Tranjan me alcançou faltando cinco voltas, mas até onde eu podia compreender estava em primeiro na categoria, e quando apareceu a placa de uma volta para o fim prendi a respiração e falei pela primeira vez na corrida com ele, falta uma volta, sem cagadas, por favor, eu que tenho de dizer isso, ele respondeu, e quando apareceu a quadriculada e vi o pessoal na mureta fazendo o número 1 com o dedo indicador percebi que sim, ganhamos a corrida.
Ganhamos a corrida, OK, apenas 14º na geral, mas ninguém quebrou ou bateu, e quem precisava ficar atrás ficou — com problemas no acionamento do segundo estágio do acelerador, soube depois, mas não importa. Ganhamos a corrida, rapazinho.
Ele chegou sujo e enlameado, mas inteiro e satisfeito. Prazer, garotão, agora sua vida vai ser assim, eu nesse banco com a capa dobrada para alcançar os pedais, você me levando do jeito que achar melhor.
Na segunda corrida, quebramos na volta de apresentação — algum piripaque na bomba de combustível. Chegou a funcionar de novo quando o cara da picape já ia nos rebocar para os boxes, mas apagou outra vez. OK, fica aí no meio do gramado assistindo tudo de camarote que daqui a pouco venho te buscar. Atravessei a pista, fiquei na mureta vendo os amigos correrem, quando acabou rebocamos o mocinho para os boxes, e lá chegando a bomba voltou a funcionar.
Desculpe, ele me disse. Fica tranquilo, já fizemos o bastante por hoje.
Urge pesquisar a origem do carrinho e seu histórico de pistas; é um sobrevivente, e isso não é pouca coisa!
Du baralho! É assim. As vezes coice (já tomei uns) as vezes puro sentimento. Parabéns.
FLAVINHO Gostei da origem deste Voyage me recordo que em 1982 qdo venci o Brasileiro de Rallye de Velocidade com VW gol ( ar) no ano seguinte todos os pilotos começaram a correr com Voyage inclusive eu ; este seu carro deve ser desta época 1983 .vamos pesquisar quem foi seu dono !!???
1987. Mingo diz alguma coisa pra você?
Frente completa, Portas e Lanternas traseiras podem ser trocadas, mas o Painel lateral traseiro direito neste carro tem a Portinhola do bocal do Tanque.
Esta é característica dos modelo 87 e mais novos, os 81 a 86 não tem a portinhola a Tampa fica aparente.
Em 86 a VW decidiu que o Passat seria novamente o carro “oficial” da marca no campeonato.
Acho que em 87 ou 88 o Amadeu Rodrigues foi o 1º a voltar a competir com o Voyage, era único entre muitos Passats, além dos Escorts e Unos.
Vai ver que ele foi do Amadeuzinho…
Muitas alegrias sempre com o Freud e seu mini progressivo, trava o segundo estágio dele aberto de uma vez…e quanto ao capricho da bomba de combustível, só Freud explica rsrsrs…abraços e sorte sempre.
Excelente corrida do Voyajvisk .
Ainda na sugestão do nome , bom , passo 13 hrs por dia na boleia do caminhão , então tempo pra pensar merda é o que não falta .
Tradução ao pé da letra de meia nove para alemão
Strumpf Neum – soa quase como estourou pneu , pode dar azar , melhor não !
Sputnik , em alusão ao Voyager .
чулок (chuliok) meia em russo
Tudo muito complicado , Voyajovski é a minha sugestão!
Boa sorte !
Parabéns para o V’GER (nome que sugeri no outro tópico) e para o piloto-escritor que tanto sabe contar histórias de maneira atraente e inteligente.
como fã de “Quadrados”, vibrei a cada frase do texto, Parabéns pela Vitoria que irão se multiplicar.
FG os bons momentos da vida é pra ser curtidos sim, e sua volta ao que gosta de fazer
é essencial , bôa sorte a vc e ao voyanov, ( achei legal esse nome que foiu dito em um
comentário acima)
O “coração” dele não aguentou a emoção rs
Olha, não sei.
Tem algo na pintura que poderia mudar…….de frente tá lembrando carro patrocinado pela Shell ……nada ver com VW- Voyage…… poderia mudar algo na frente……… ou talvez seja a desconfiança ainda deste torcedor…..que tá sim ….ainda muito desconfiado desse carro.
Tive um Voyage Super 1,5 todo cheio de frescura…… não foram bons anos, nunca gostei de carro completo , sempre tive uma queda por carros “pé de boi” …..somente o necessário……. enfim , meu Voyage tinha um defeito cronico , esquentava e afogava no primeiro sinaleiro …….. nunca arrumou definitivamente e vendi o carro.
Belo texto! O leitor curtiu muito o retorno do escriba-piloto. E o carro é bonitão. Bravo!
Parabéns!
Alegria devidamente compartilhada, Obrigado por escrever com maestria.
E que a relação com o Voyage seja repleta de momentos memoráveis!
Serotonina lá em cima hein Flávio!!
E você, de repente, se pega trocando olhares com o voyaginho no final da corrida e se pergunta e pensa consigo mesmo:
“Sabe aquele vazio que eu sentia, talvez inconscientemente e não sabia o que era?Ah, era isso, eu precisava voltar a correr…denovo”
Vida longa a nova família!
Prezado F&G : O Bandido do Voyage roubou toda a sua emoção,voltar a pilotar a correr e muito mais a ser feliz, bom agora vamos lá concurso pra botar nome no brinquedo tá valendo ?.
Por esses e outros textos que acesso o blog do pequeno piloto e escriba todo dia, nosso tatu da ilha da fantasia pilota pacas…parabéns
Putz…. Teu texto dessa 1° experiência correndo com o Voyaginho #69 salvou o domingo…
Parabéns FG…
Bacana demais. Terminei o texto com um sorriso no rosto. Voce é um grande cara.
Bacana demais. Terminei o texto com um sorriso no rosto. Voce é um grande cara.
Boa sorte e muuuitas felicidades com o novo parceiro, comparsa e cúmplice.
Abs.
O importante é encarar e ultrapassar as dificuldades inexoráveis, e saber criar e/ou aproveitar os momentos de felicidade que se apresentam.
A vida é equilíbrio, oportunidade e resiliência, porém ninguém é tão sábio o tempo todo.
Parabéns prá ti e para o Voyanov…
Um abraço.
Viu,seguiu meu conselho, deu nisso,posso ser um bom chefe de equipe é só acertar o $$$$$$$.
Show Flavio, acompanhei as duas corridas lá no autódromo e a dupla foi muito bem! Espero que a Classic volte sempre à Londrina e de preferência junto com as 500 Milhas, o evento só ganhou com essa parceria.
PS: Não considere 1m40 um tempo mediocre, para o primeiro encontro de vocês foi excelente. Os Voyages que andam aqui em Londrina o ano inteiro viram 1m35…
Belo retorno às pistas! E belo texto!
Além de bonito o carro é valente na pista! Parabéns!
http://pixar.wikia.com/wiki/Bomb_Voyage
Linda narracao, FG. Muito manero essa relacao carro-piloto. Tive um Passat TS que nao da’ pra esquecer.
Abs
Parabéns para a dupla!! O Voyage chegou com tudo!
Flavinho, aqui existem centenas para não dizer milhares de leitores do Blog que mto mais q ler , interpretar e discutir o que é publicado, ainda torcem pelo piloto FG…Posso dizer que esse chorão de 32 anos se emocionou quando o Meianov fora aposentado,pois sei quanto é duro desistir de algo que VC acredita e torce para que te traga resultados…ainda mais em se tratando de automobilismo que não te da retorno algum além do prazer da “atmosfera” do negócio e de guiar…Não tem como não se emocionar novamente com esse post, quem diria q aquele carro antes abandonado voltaria a correr e ganharia na estréia, quem diria q esse q nos escreve daria a volta por cima e teria sua vitória na categoria com um carro q nunca havia pilotado, Depois do seu relato de poucos encontros com o carrinho e isso acontecendo hoje acho que VC deve sim acreditar em amor a primeira vista, pois vocês se conheceram realmente hoje…Parabéns Flavinho, Nenê e equipe e parabéns ao velho guerreiro que renasceu hoje em suas mãos…
Falou tudo. Me incluo nessa torcida também.
Muito bacana Gomov. Parabéns ao Quadradinho!
Aí Flavio, parabéns!
Uma champagne de vez em quando cai muito bem, né?
Quem são esses “caronas” no banco de trás (pneus)? Seus reservas?
Parece aro 13 e pneu original (carro de rua). É isso mesmo?
Sim.
Turismo N do Paulista também, Pneu 175/70 R13, e estas rodas originais de liga pintadas de branco ficaram muito bonitas.
Fórmula 1 é aro 13.
Acho muito bonito esse companheirismo e amizade entre pessoas e carros. As cores do Voyage lembra as cores que a Audi usava no WRC nos anos 80.
Putamerda você escreve demais! Me emocionei com o texto.
Parabéns pelo texto e pela escolha do belo Voyage AUDI, sim essas cores lembraram os AUDI que corriam noutros tempos. Belo trabalho do Marchesi!
Está faltando só o nome, agora. Acho q ele se recusou a correr a segunda corrida por ter sido chamado de caralho rs
Estava com saudades dessas histórias. Obrigado por compartilhar e vida longa ao voyage!
Fantastico
Realmente foi uma “boa viagem”…. Parabéns Flavio…Para vc como são as coisas…ele realmente estava a sua procura, que me desculpe no 69, mas este amiguinho precisava de carinho…
FG, tinha que ser 69? Acho que em nome do Meianov (e do 96), você deveria arrumar outro número pro Voyage
Deve ser divertido demais guiar um carro como esse.
Parabéns, Flavio Gomes!
Que seja a primeira de muitas conquistas com esse novo parceiro.
Eu acompanho muito o seu trabalho, e não consigo entender como você consegue tempo para fazer tudo o que faz.
Parabéns por tudo!
O coitadinho estava cansado, afinal, estava há anos sem correr. Por mais que o médico e treinador diga que está tudo bem no check-up, pode sempre aparecer alguma coisa em esforço prolongado.
Champanhe/”espumante” no pódio? Tinha que ser Sukita!
Brawnyage.?!?! Boa!
Esses textos com suas experiências (crônicas?) são os melhores. Fiquei o dia inteiro pensando em como o Voyage e vc se saíram na corrida. Abri o Instagram e lá estava você e o 69 com dois troféus. Fiquei bastante feliz pelo resultado. Um dia apareço em Interlagos pra acompanhar uma corrida da Classic. Um dia.
Parabéns pelo resultado, Flávio. Parabéns, Voyage.
Parabéns pela corrida. Excelente texto!!!
Parabéns cara, que bom que você pode fazer aquilo que gosta.